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Bienal do Mercosul acerta na radicalidade
Em Porto Alegre, mostra traz boas surpresas ao colocar artistas na curadoria
"Absurdo", organizada por Laura Lima, é destaque da sétima edição, que sublinha o poder da junção de arte e vida na produção atual
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Já em seu início, em 1997, a
Bienal do Mercosul, em Porto
Alegre, com curadoria de Frederico Morais, era marcada por
um caráter experimental. Naquela época, sua pretensão foi
reescrever a história da arte a
partir de uma visão não-hegemônica, ou seja, fora do eixo europeu e norte-americano.
Agora, em sua sétima edição,
esse caráter experimental alcança sua maior radicalidade,
ao colocar o artista e seu processo criativo -e não mais a figura do curador- como o centro de organização.
É uma das mostras mais inovadoras dentro do confuso universo das bienais, que costuma
transitar entre o apelo fácil para o público e o discurso direcionado a especialistas.
"Grito e Escuta" foi concebida pela curadora argentina Victoria Noorthoorn e pelo artista
chileno Camilo Yáñez, ao lado
de outros oito artistas cocuradores -uns responsáveis por
áreas específicas, como o projeto pedagógico, a cargo da argentina Marina de Caro, outros por
segmentos expositivos, como a
brasileira Laura Lima.
O resultado é um trabalho
efetivamente polifônico, que
apresenta exposições surpreendentes e muito distintas
umas das outras.
Curiosamente, as mais tradicionais são as organizadas por
Noorthoorn: "Ficções do Invisível", no Cais do Porto, e "Desenho das Ideias", no Museu de
Arte do Rio Grande do Sul. Isso
não significa que sejam menos
impactantes.
A primeira, com uma cenografia elegante (de ilhas marcadas por tecidos negros), é uma
constelação que tem no teatro e
na dança seu começo e seu fim:
começa com "Breath" (Respiração), uma peça de 67 segundos de Samuel Beckett encenada por Daniela Thomas, e termina com o coreógrafo francês
Jérôme Bel em um vídeo metalinguístico.
Já "Desenho das Ideias" reúne um grupo mais histórico que
trabalha com desenho, mas não
só, buscando revelar o processo
criativo de artistas como Anna
Maria Maiolino, Cildo Meireles, Paulo Bruscky, Flávio de
Carvalho e León Ferrari.
Curadorias dos artistas
O trabalho mais impactante,
contudo, é de Iran do Espírito
Santo, uma parede que parece
um buraco negro, para onde é
difícil deixar de olhar. Lenora
de Barros, curadora da Radiovisual, alocou nesse segmento algumas obras, provocando interessantes fricções.
Contudo, são as curadorias
dos artistas as grandes surpresas. A começar pela mostra
"Absurdo", de Laura Lima,
num dos armazéns do Cais do
Porto, com o piso recoberto por
nada menos do que 20 caminhões de areia.
Paisagem lunar, num contraponto brilhante com o rio Guaíba, que se vê por grandes portas, ela reúne obras projetadas
em telas, como o lindo vídeo de
Marcellvs L., ou mesmo na
areia, como Márcia Xavier, ou
então numa pequena casa, como o surreal vídeo "Lucia", assinado pelos chilenos Niles
Atallah, Joaquin Cociña e Cristóbal Léon. Esse é um dos trabalhos mais incríveis da mostra, uma mistura de William
Kentridge e Stanley Kubrick.
Esse pavilhão é das experiências mais vibrantes que se pode
ter em arte contemporânea.
Finalmente, o armazém que
reúne as mostras "Texto Público", organizada por Artur Lescher, e "Biografias Coletivas", a
cargo de Camilo Yáñez, é outro
destaque. Nesses dois segmentos, fortalece-se uma tese que é
desenvolvida ao longo de toda a
Bienal: a junção arte e vida,
princípios que nortearam os
anos 1960 e 70, é hoje o cerne
do pensamento mais intrigante
na cena contemporânea.
O jornalista FABIO CYPRIANO viajou a convite
da Fundação Bienal do Mercosul
7ª BIENAL DO MERCOSUL
Quando: de ter. a dom., das 9h às 21h;
até 29/11
Onde: Armazéns do Cais do Porto, Santander Cultural e Museu de Arte do Rio
Grande do Sul, em Porto Alegre; tel. 0/
xx/51/3433-7686
Quanto: entrada franca
Cotação: ótimo
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