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FREE JAZZ/SÁBADO KRAFTWERK
Ok, computer
LÚCIO RIBEIRO
Editor interino da Ilustrada
A coisa foi muito séria. Às 22h do
sábado, vídeos sincronizados à parafernália eletrônico-sonora do
palco começavam a exibir números, anunciando a presença em cena do grupo de alemães (humanos?) Kraftwerk, tão importante
para a música com computadores
quanto Bill Gates para o mundo
dos computadores.
Na dança dos números da canção
"Numbers", que abriu a segunda
noite do Main Stage na versão paulistana do Free Jazz Festival 98, as
contas a fazer eram de que finalmente, depois de quase 30 anos de
formação do Kraftwerk, o país
abrigava em seus palcos um grupo
musical de tamanho significado
para a música, seja ela de qualquer
vertente: pop, clássico, progressivo, punk ou até... eletrônico.
Alguém na platéia soltou que era
a principal banda que tocou no
Brasil desde 1500, o que remeteu
diretamente à famosa capa da revista americana "Spin" ao grupo
alemão, que indagou, na manchete: "Kraftwerk". Mais influentes
que os Beatles?. É complicado discordar.
Começava "Computer World", a
música-título do pulsante álbum
de 1981, que jogou o punk dentro
de um disquete e o entregou ao tecnopop.
A essa altura era engraçado testemunhar como um show de uma
banda de três décadas soava tão
completamente contemporâneo.
Um testamento ao vivo de quão
longe o Kraftwerk levou a pop music e quão pouco ela progrediu
além das inovações proporcionadas pelo grupo alemão anos e anos
atrás.
O show caminhava, e não era estranho se sentir um personagem
de "Blade Runner" ou dos livros de
Aldous Huxley, tentando dançar
de maneira moderna músicas dos
anos 70.
Em "The Man-Machine" e "Tour
de France" (com imagens de ciclistas em movimento sendo projetadas nos telões), o clima era de uma
noite na ópera. Eram operetas eletrônicas.
Ficava claro entender por que
nos 70 os álbuns do Kraftwerk
eram difíceis de ser encontrados
nas lojas européias, já que parte
delas colocava os discos nas prateleiras de música clássica.
As inqualificáveis "Autobahn"
(as imagens do telão, agora, eram
de carros em movimento), "The
Model", "Radio-Activity" (hoje
com letra alterada para um grito de
"stop radio-activity") e "Trans-Europe Express" já haviam apressado a chegada do século 21 (já o tinham feito 20 anos atrás), em um
espetáculo de sincronia sonora e
visual, futurística e antiga (é só ver
as duas músicas inéditas do show,
que tentam simular um ambiente
tecno anos 90) ao mesmo tempo,
quando a cortina se fechou.
Minutos depois, todos os quatro
homens-máquina estavam na
frente das bancadas de sintetizadores, tocando "Pocket Calculator" com um pequeno controle remoto, como se estivessem com um
joystick manipulando o som e as
pessoas à frente deles como se fossem um bando de robôs.
Cortina se fecha, cortina se abre e
começa... "The Robots".
Onde antes estavam os telões,
quatro figuras robóticas substituíam os músicos e se moviam mecanicamente sob a batida eletrônica da música que foi hit de clubes
dance do final dos anos 70.
Quantos robôs bacanas não foram criados pelo Kraftwerk nestes
anos todos, de David Bowie a Afrika Bambaataa, de Depeche Mode à
toda cena eletrônica dominante
destes tempos?
Cortina se fecha, cortina se abre,
e o final foi dado por "Musique
Non-Stop", do último álbum inédito da banda, "Electric Cafe", lançado em 86.
Aí o quarteto vestia roupas pretas com listras verdes fluorescentes
que mapeavam a anatomia de cada
componente da banda, faziam de
seus esqueletos circuitos de computador e transformavam os quatro caras humanos do Kraftwerk
em, sim, andróides. Esse foi o final
da história a que São Paulo estava
assistindo.
Foi um show para não ser deletado jamais da memória. O único senão foi não ter levado meu PC para
o Jockey Club. Ele iria amar o
Kraftwerk.
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