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Atuação política deve definir avaliação de FHC
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Acho um tanto injusta a queda nos índices de popularidade de FHC. Penso em quem
apoiava o Real, a política econômica de Malan e Kandir, a
globalização etc., há questão
de duas semanas; agora, com o
pacote, rói a corda. É uma espécie de traição.
Nunca faltaram críticas a
FHC e ao Real. Tendiam a ser
ignoradas. Tudo ia bem. Economistas de respeito advertiam quanto à supervalorização da moeda. Ninguém ligava; e com certa razão, imagino. Pois não se pode saber se
uma desvalorização do câmbio em maio ou junho seria benéfica ou catastrófica para o
país. Agora, sempre há pessoas
que podem dizer: "não viram?
Eu tinha razão!". Mas eu me
pergunto sobre o valor desse
triunfo. Ninguém poderia prever o colapso de Hong Kong. E,
se alguém tivesse previsto, poderia ter errado.
De certo modo, a política segue o modelo das bolsas de valores. Tudo é aposta. Este termo -aposta- já estava em
circulação há um bom tempo.
Ouvi-o de um economista do
PT, há mais de um ano, e li-o
num artigo de Élio Gaspari,
não faz muito. Claramente, o
Plano Real se baseava numa
expectativa entre muitas possíveis: a de que a estabilidade
econômica atraísse capitais
produtivos, capazes de anabolizar o parque industrial interno. Enquanto isso, "sinais" como a privatização, as "reformas", o sorriso de Fernandinho etc. iriam sendo dados,
mostrando que o Brasil era um
país confiável.
O problema dessa aposta era
o quanto poderíamos aguentar
com o câmbio fixo, com nosso
Congresso, com nossa estrutura tributária, com nosso ritmo
de privatizações. Com nossa
miséria, com nossa educação,
com nossa saúde.
A bolha de expectativas parece estar estourando. Ponha-se na pele de um investidor internacional. O Brasil
promete lucros gigantescos.
Em parte, isso é verdade. Mas
a Hungria, a República Tcheca, a Alemanha Oriental também pedem ajuda. Em que país
você investiria? O mercado
aqui é maior. As condições de
produção são piores. Há lucro
fácil aqui. Mas o investimento
é penoso.
O pacote pode ter segurado
muita coisa, mas não deixa de
ser um pacote. Só por esse fato
desestimula qualquer investimento. Informa os desinformados de um fato básico: o de
que, no Brasil, nada é estável,
tudo é de alto risco. Se a população brasileira continuasse
confiando em FHC depois do
pacote, tudo bem: o ambiente
continuaria favorável ao capital. Mas não é disso que se trata. Escaldados por meia dúzia
de fracassos, a mera menção à
palavra "pacote" é alarmante
para nós.
Desconfiança gera desconfiança. A aposta no Real só
funcionou enquanto esse círculo vicioso e notório foi interrompido. O que acontecerá
quando as taxas de juros começarem a baixar? Fuga de
capitais, dizem os entendidos.
Mas o que acontecerá se as taxas de juros não baixarem?
Recessão monstruosa e -claro- instabilidade política,
imprevisibilidade econômica,
logo, a mesma fuga de capitais.
Desconfio um pouco desses
raciocínios econômicos. Como
o sistema todo se orienta numa lógica de vasos comunicantes, de causas e consequências, de circuitos onde todos os
dados (menos um) são mantidos estáveis, cada raciocínio
científico esbarra com imprevistos. Descobre-se amanhã
uma jazida de ouro na Amazônia: tudo muda. Saddam
Hussein sofre um ataque de
apendicite: tudo mudará, sem
dúvida.
Mas chega de rodeios, e vou
ao propósito mais amplo deste
artigo. Resume-se na seguinte
pergunta: Será que o padrão
de avaliação de um governante está no desempenho da economia?
Acostumamo-nos a essa superstição. O desemprego caiu,
o presidente é bom. A moeda
está estável, o presidente é melhor ainda. Não acho que seja
assim.
Não estou defendendo FHC.
Ao contrário. Dizer que ele estava errado ao manter o câmbio, ao privatizar a empresa Y,
é bobagem. Dizer que sua
aposta no Real foi temerária é
hipocrisia. Todos nós -quase
todos- apostamos no que ele
apostou. Nosso economicismo
foi bem representado pelo economicismo dele.
O problema é que passamos
a avaliar a política pelos índices econômicos. Não é o caso.
A popularidade de um bom
presidente não deveria crescer
ou diminuir segundo as ações
da bolsa. Parece que eu estou
defendendo FHC. Não; FHC
revela-se agora, para mim, um
péssimo, um infame presidente.
Refestelou-se no acaso da
economia globalizada. Confiou na superstição de que o
cargo presidencial é uma mera
função da economia, um subproduto da aposta na estabilidade monetária.
Começo a perceber que a política tem uma esfera independente; lida com valores que
não são os estritamente monetários. Interfere, por exemplo,
na prisão absurda do Planet
Hemp; na punição aos PMs de
Diadema; no massacre de Carajás; na educação básica; no
número de crianças que pedem
esmolas nos cruzamentos de
trânsito; nas mensalidades escolares; na hemodiálise pernambucana; na caça aos que
afundaram o orçamento do
Estado e da Prefeitura de São
Paulo, a saber, Quércia e Maluf; nos rombos do poder público no Nordeste, a saber, Suruagy e companhia.
Este último parágrafo é um
pouco demagógico. Mas aponta para uma questão bem séria, como aliás toda demagogia costuma fazer. Onde estava FHC enquanto tudo isso
ocorria? Onde ficou a política,
o balanço de poder, enquanto
FHC mantinha estável a moeda? Se nossa normalidade globalizante era o álibi frágil para que se minimizassem algumas questões fundamentais
-a violência, a justiça, a saúde, a educação, a oligarquia
regional-, que diabo ficamos
fazendo esse tempo todo?
Estamos culpados de economicismo. De monetarismo.
FHC não deve ser julgado pelas oscilações da bolsa de Hong
Kong. Devemos julgá-lo (percebo só agora) não pela economia, mas pela política. Ele se
alia a Maluf. É pior do que
qualquer pacote.
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