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CRÍTICA
Filme traz moralismo americano
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Em poucas linhas, o enredo de
"Destinos Cruzados" parecerá o
de um melodrama mexicano.
Um casal de amantes morre
num desastre de avião, quando
partia para uma escapada em
Miami. Os respectivos cônjuges,
tornados viúvos, acabam se conhecendo e...
O espectador já sabe, desde que
viu Harrison Ford e Kristin Scott
Thomas no cartaz do filme, que
esses dois "sobreviventes da tragédia", unidos na dor-de-corno,
viverão um "tórrido romance".
Mas a carnadura dada a esse esqueleto narrativo tem a ver muito
mais com as fórmulas puritanas
de Hollywood do que com o descabelado melodrama latino.
A começar pela função social e
profissional dos personagens. O
viúvo traído, "Dutch" (Ford), é
um sargento da corregedoria da
polícia de Washington. A viúva
traída, Kay Chandler (Scott Thomas), é deputada republicana.
Eles tentam limpar, cada um a
seu modo, duas instituições básicas do "establishment" americano: a polícia e o Congresso.
No quadro do moralismo protestante dos EUA, com seu medo
endêmico do sexo, esses "heróis
cumpridores" só irão para a cama
depois de justificados por todo tipo de atenuantes.
Mas "Destinos Cruzados" é inequivocamente americano também por sua organização estética
e suas referências.
Há nele aquele diabólico naturalismo hollywoodiano que nos
faz acreditar por um momento
que presenciamos a vida, e não
um filme. Junte-se a isso um controle cronométrico do ritmo e
uma certa elegância padrão e
pronto: estamos instalados nesse
prodígio da tecnologia moderna
que se chama "filme americano".
Em tempos de correção política,
os preconceitos sócio-raciais não
aparecem no discurso, mas na
forma ou, antes, na atmosfera.
Há no filme três esferas bem
distintas. Há o mundo dos brancos, feito de cores frias em tons
pastel, luz esmaecida, elegância
discreta e jazz adocicado.
Há o mundo latino, estridente,
colorido e vulgarmente sensual. E
há, por fim, o submundo negro,
de becos escuros e traiçoreiros,
repletos de sujeira e ameaças.
A "decência" (branca), o sexo
(latino) e o crime (negro). Com
esses elementos Hollywood escreve e reescreve sua fórmula.
Avaliação:
Filme: Destinos Cruzados
Título original: Random Hearts
Diretor: Sydney Pollack
Produção: EUA, 1999
Com: Harrison Ford, Kristin Scott
Thomas, Sydney Pollack, Bonnie Hunt
Quando: a partir de hoje, nos cines Belas
Artes Oscar Niemeyer, Center Iguatemi 1
e circuito
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