São Paulo, Sexta-feira, 19 de Novembro de 1999
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CRÍTICA

Filme traz moralismo americano

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

Em poucas linhas, o enredo de "Destinos Cruzados" parecerá o de um melodrama mexicano.
Um casal de amantes morre num desastre de avião, quando partia para uma escapada em Miami. Os respectivos cônjuges, tornados viúvos, acabam se conhecendo e...
O espectador já sabe, desde que viu Harrison Ford e Kristin Scott Thomas no cartaz do filme, que esses dois "sobreviventes da tragédia", unidos na dor-de-corno, viverão um "tórrido romance".
Mas a carnadura dada a esse esqueleto narrativo tem a ver muito mais com as fórmulas puritanas de Hollywood do que com o descabelado melodrama latino.
A começar pela função social e profissional dos personagens. O viúvo traído, "Dutch" (Ford), é um sargento da corregedoria da polícia de Washington. A viúva traída, Kay Chandler (Scott Thomas), é deputada republicana.
Eles tentam limpar, cada um a seu modo, duas instituições básicas do "establishment" americano: a polícia e o Congresso.
No quadro do moralismo protestante dos EUA, com seu medo endêmico do sexo, esses "heróis cumpridores" só irão para a cama depois de justificados por todo tipo de atenuantes.
Mas "Destinos Cruzados" é inequivocamente americano também por sua organização estética e suas referências.
Há nele aquele diabólico naturalismo hollywoodiano que nos faz acreditar por um momento que presenciamos a vida, e não um filme. Junte-se a isso um controle cronométrico do ritmo e uma certa elegância padrão e pronto: estamos instalados nesse prodígio da tecnologia moderna que se chama "filme americano".
Em tempos de correção política, os preconceitos sócio-raciais não aparecem no discurso, mas na forma ou, antes, na atmosfera.
Há no filme três esferas bem distintas. Há o mundo dos brancos, feito de cores frias em tons pastel, luz esmaecida, elegância discreta e jazz adocicado.
Há o mundo latino, estridente, colorido e vulgarmente sensual. E há, por fim, o submundo negro, de becos escuros e traiçoreiros, repletos de sujeira e ameaças.
A "decência" (branca), o sexo (latino) e o crime (negro). Com esses elementos Hollywood escreve e reescreve sua fórmula.


Avaliação:  


Filme: Destinos Cruzados
Título original: Random Hearts
Diretor: Sydney Pollack
Produção: EUA, 1999
Com: Harrison Ford, Kristin Scott Thomas, Sydney Pollack, Bonnie Hunt
Quando: a partir de hoje, nos cines Belas Artes Oscar Niemeyer, Center Iguatemi 1 e circuito





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