São Paulo, segunda-feira, 19 de novembro de 2001

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RETROSPECTIVA

Cineasta dá conferência no Cinusp, que exibe cinco filmes seus

"Reality show" é o contrário do cinema, diz Comolli

DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta e teórico do cinema Jean-Louis Comolli, 60, acha que há mais ficção do que se supõe nos "reality shows" da TV. E mais realidade do que o espectador contemporâneo está disposto a suportar no mundo do cinema.
Argelino radicado em Paris, autor de quase 40 filmes, Comolli oferece hoje no Cinema da USP (Cinusp) a conferência "Ausência do Roteiro: Necessidade do Documentário", uma súmula de seu pensamento sobre o papel de resistência do cinema e o lugar que a sétima arte oferece ao espectador, ao torná-lo sujeito da reflexão.
Até o dia 23, o Cinusp apresenta também uma retrospectiva Comolli, com sessões gratuitas de cinco títulos seus, incluindo o mais recente, "L'Affaire Sofri (Le Juge et l'Historien)" ("O Caso Sofri - O Juiz e o Historiador").
Na entrevista a seguir, Comolli fala sobre a realidade do cinema. (SILVANA ARANTES)

Folha - O sr. afirma que os documentários são tão subjetivos quanto os filmes de ficção. Há uma distinção moral possível entre eles?
Jean-Louis Comolli -
Certamente há diferenças entre a ficção e o documentário, mas ambos têm uma filiação comum ao mundo do cinema, ou seja, o cinema documentário e o de ficção pertencem ao cinema "tout court". A oposição mais forte é entre o que podemos chamar o mundo do cinema (a ficção e o documentário) e o mundo da informação, do jornalismo. Mas é certo que o cinema documentário representa o ponto de vista de um autor.

Folha - A tendência dos "reality shows" na TV obriga a refletir sobre a essência do documentário?
Comolli -
A ficção, principalmente a da TV, recorre cada vez mais ao formato e aos efeitos do documentário. Isso revela um esgotamento da capacidade da TV de falar do mundo tal qual ele é.

Folha - O sr. está dizendo que os "reality shows" são um simulacro de documentários?
Comolli -
Colocar pessoas reais numa situação artificial é uma experiência que faz apelo ao gênero documentário, mas que se distingue dele na essência. Ter pessoas numa casa sendo filmadas 24 horas ao dia consiste numa experimentação sobre a vida delas.

Folha - Mas o sr. defende que a presença da câmera altera a realidade, criando uma situação artificial também nos documentários.
Comolli -
É isso que o cinema documentário faz, mas com o cuidado de não manipular, de respeitar as pessoas que estão submetidas a essa experiência. Enquanto nos "reality shows" o objetivo é sempre submeter as pessoas a uma experiência cinematográfica que se faz, em parte, contra elas.

Folha - Qual é o papel do espectador no cinema?
Comolli -
Do cinema espera-se transformação. Supõe-se que o espectador percorra todo o filme para sair modificado no final, é o sujeito da experiência. Num "reality show", o sujeito da experiência são as pessoas que estão sendo filmadas. É uma inversão a partir de um artifício construído com os mesmos tópicos do cinema.

Folha - A audiência desse tipo de programa na TV demonstra a falta de disposição do espectador para ser confrontado em suas certezas?
Comolli -
Precisamente. Essa tendência corresponde ao movimento global de desresponsabilizar os cidadãos e colocá-los em jogo uns contra os outros. Abdica-se de uma responsabilidade real por uma responsabilidade entre aspas. Isso lembra as condições de surgimento do fascismo.

Folha - Apesar desse panorama desanimador, o sr. reafirma a necessidade de documentar.
Comolli -
Mais que nunca. São muito raras hoje, mesmo no âmbito das artes, as iniciativas que representam resistência. O documentário deve ser uma delas.


AUSÊNCIA DO ROTEIRO: NECESSIDADE DO DOCUMENTÁRIO - Conferência de Jean-Louis Comolli.
Onde: Cinusp (r. do Anfiteatro, 181, favo 4, Cidade Universitária, SP, tel. 0/xx/11/3818-3540). Quando: hoje, às 14h. Quanto: grátis.



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