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RETROSPECTIVA
Cineasta dá conferência no Cinusp, que exibe cinco filmes seus
"Reality show" é o contrário do cinema, diz Comolli
DA REPORTAGEM LOCAL
O cineasta e teórico do cinema
Jean-Louis Comolli, 60, acha que
há mais ficção do que se supõe
nos "reality shows" da TV. E mais
realidade do que o espectador
contemporâneo está disposto a
suportar no mundo do cinema.
Argelino radicado em Paris, autor de quase 40 filmes, Comolli
oferece hoje no Cinema da USP
(Cinusp) a conferência "Ausência
do Roteiro: Necessidade do Documentário", uma súmula de seu
pensamento sobre o papel de resistência do cinema e o lugar que a
sétima arte oferece ao espectador,
ao torná-lo sujeito da reflexão.
Até o dia 23, o Cinusp apresenta
também uma retrospectiva Comolli, com sessões gratuitas de
cinco títulos seus, incluindo o
mais recente, "L'Affaire Sofri (Le
Juge et l'Historien)" ("O Caso Sofri - O Juiz e o Historiador").
Na entrevista a seguir, Comolli
fala sobre a realidade do cinema.
(SILVANA ARANTES)
Folha - O sr. afirma que os documentários são tão subjetivos quanto os filmes de ficção. Há uma distinção moral possível entre eles?
Jean-Louis Comolli - Certamente
há diferenças entre a ficção e o documentário, mas ambos têm uma
filiação comum ao mundo do cinema, ou seja, o cinema documentário e o de ficção pertencem
ao cinema "tout court". A oposição mais forte é entre o que podemos chamar o mundo do cinema
(a ficção e o documentário) e o
mundo da informação, do jornalismo. Mas é certo que o cinema
documentário representa o ponto
de vista de um autor.
Folha - A tendência dos "reality
shows" na TV obriga a refletir sobre a essência do documentário?
Comolli - A ficção, principalmente a da TV, recorre cada vez
mais ao formato e aos efeitos do
documentário. Isso revela um esgotamento da capacidade da TV
de falar do mundo tal qual ele é.
Folha - O sr. está dizendo que os
"reality shows" são um simulacro
de documentários?
Comolli - Colocar pessoas reais
numa situação artificial é uma experiência que faz apelo ao gênero
documentário, mas que se distingue dele na essência. Ter pessoas
numa casa sendo filmadas 24 horas ao dia consiste numa experimentação sobre a vida delas.
Folha - Mas o sr. defende que a
presença da câmera altera a realidade, criando uma situação artificial também nos documentários.
Comolli - É isso que o cinema documentário faz, mas com o cuidado de não manipular, de respeitar
as pessoas que estão submetidas a
essa experiência. Enquanto nos
"reality shows" o objetivo é sempre submeter as pessoas a uma
experiência cinematográfica que
se faz, em parte, contra elas.
Folha - Qual é o papel do espectador no cinema?
Comolli - Do cinema espera-se
transformação. Supõe-se que o
espectador percorra todo o filme
para sair modificado no final, é o
sujeito da experiência. Num "reality show", o sujeito da experiência são as pessoas que estão sendo
filmadas. É uma inversão a partir
de um artifício construído com os
mesmos tópicos do cinema.
Folha - A audiência desse tipo de
programa na TV demonstra a falta
de disposição do espectador para
ser confrontado em suas certezas?
Comolli - Precisamente. Essa
tendência corresponde ao movimento global de desresponsabilizar os cidadãos e colocá-los em jogo uns contra os outros. Abdica-se de uma responsabilidade real
por uma responsabilidade entre
aspas. Isso lembra as condições de
surgimento do fascismo.
Folha - Apesar desse panorama
desanimador, o sr. reafirma a necessidade de documentar.
Comolli - Mais que nunca. São
muito raras hoje, mesmo no âmbito das artes, as iniciativas que
representam resistência. O documentário deve ser uma delas.
AUSÊNCIA DO ROTEIRO: NECESSIDADE DO DOCUMENTÁRIO - Conferência de Jean-Louis Comolli.
Onde: Cinusp (r. do Anfiteatro, 181, favo
4, Cidade Universitária, SP, tel. 0/xx/11/3818-3540). Quando: hoje, às 14h.
Quanto: grátis.
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