São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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James Gavin diz que se o trompetista fosse feio ou negro não teria tido grande relevo

Para biógrafo, beleza pôs Chet na história

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir trechos de entrevista com James Gavin, biógrafo de Chet Baker. (CEM)

Folha - O que o sr. acha dos críticos de Chet Baker que dizem que ele nunca criou nada de original, só copiou Miles Davis?
James Gavin -
Acho que não é bem assim, ainda que Davis tenha sido claramente o grande modelo de Chet. Ele próprio admitia que se não tivesse havido Davis talvez não houvesse Baker. Miles Davis foi um dos primeiros a tocar em um estilo econômico, sem mudanças abruptas, sem picos de som. Esse modo "cool" foi a base da música de Chet.

Folha - O sr. disse que sem Miles Davis não teria existido Chet Baker. Se Chet fosse feio e negro...
Gavin -
Nós definitivamente não estaríamos tendo esta conversa. Se ele fosse bonito e negro não estaríamos tendo esta conversa. Se ele fosse branco e feio não estaríamos tendo esta conversa.

Folha - Mas ele teria algum papel na história do jazz?
Gavin -
Isso é difícil de dizer. Muito da mística dele vinha do fato de ele ser branco, bonito e misterioso. Não creio que ninguém defenda a idéia de que ele tenha sido um mau trompetista, nem mesmo Miles Davis, que chegou a elogiá-lo, mesmo tendo ficado conhecido depois de Chet Baker, que surrupiara seu estilo.
Mas vale ressaltar que boa parte da popularidade de Baker veio de algo que não está relacionado a Davis: seu modo de cantar, muito próximo do que era sua cara, bonita, triste e distante.

Folha - O sr. já disse que em 1994, quando resolveu fazer o livro, tinha apenas dois discos de Chet Baker. Por que o sr. decidiu fazer uma biografia sobre ele?
Gavin -
O documentário de Bruce Weber "Let's Get Lost" foi fundamental para isso. Quando foi lançado, no final dos anos 80, o nome Chet Baker não estava em lugar nenhum na América. Ele era tido como uma relíquia do passado, só existia a idéia de alguém que tinha se destruído com as drogas. Era como uma piada.
O filme saiu em 1989, depois da morte misteriosa dele. Os dois, filme e morte, geraram outra vez uma movimentação em torno do nome dele na América. Em 1994 me dei conta de que a história fabulosa de Baker ainda não tinha sido narrada a fundo. E fui atrás.

Folha - Uma resenha sobre seu livro publicada no "The New York Times" sustenta que o sr. demonstra uma certa aversão ao seu personagem. O sr. concorda?
Gavin -
Não concordo. Essa crítica do "NYT", Michiko Kakutani, é famosa por ser uma víbora. Claro que não odeio Chet Baker. Mas fiz o máximo para não ser um biógrafo apaixonado. Busquei o tempo todo a neutralidade. Não havia necessidade de colocar minhas opiniões penduradas em histórias tão fortes como as do sobrevivente Chet Baker.

Folha - Seu livro mostra como Baker entrou na heroína anos depois de seus amigos. O que empurrou ele para isso?
Gavin -
Eu acredito que ele mergulhou na heroína só depois de conhecer e ficar fascinado por um jovem pianista chamado Dick Twardzik, em 1955. Dick, um viciado, tocava de um modo tão mágico que acredito que ele associou isso à heroína. Baker estava mais ou menos apaixonado por Dick. Foi depois da morte por overdose do pianista, que, segundo rumores, Chet teria assistido, que a coisa aconteceu. Ele voltou para a América em 1956. E logo virou um viciado sério.

Folha - Quais marcas o sr. acha que Chet Baker levou de sua viagem ao Brasil, em 1985?
Gavin -
Acho que ele não tinha a menor idéia do que era o Brasil, ele estava viajando por todo lado e não parecia ter nenhum envolvimento com os lugares que ia.
Chet, como é típico de um viciado, não tinha nenhuma relação com o que estava fora dele. Só pensava em a) conseguir drogas; b) conseguir tocar.
Ele não sabia nada sobre o Brasil, acho que nem sabia o que era bossa nova, gênero que de alguma forma se espelhou em sua música. O Rio de Janeiro, para Chet Baker, deve ter sido como Cleveland ou Detroit. Era qualquer lugar.


NO FUNDO DE UM SONHO - A LONGA NOITE DE CHET BAKER. Autor: James Gavin. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 49 (494 págs.).


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