São Paulo, sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

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Última Moda

ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@grupofolha.com.br

Ex-dono da Zoomp recomeça do zero

O estilista Renato Kherlakian volta à moda com a criação da grife RK Denin

A vida do estilista Renato Kherlakian, 59, criador da Zoomp e pioneiro do jeanswear no Brasil, transformou-se, nos últimos anos, num romance mirabolante, ora próximo da tragédia, ora do pastelão.
Uma grave crise financeira na Zoomp o levou a colocar à venda a grife criada em 1974. Chegou a conversar com o grupo AMC Têxtil, dono da Colcci, e com a IT Holding, empresa italiana que controla a marca Gianfranco Ferré, entre outras.
Acabou acertando, em 2006, com a então desconhecida holding HLDC, dos empresários Enzo Monzani e Conrado Will, que assumiu todas as dívidas da Zoomp. No final do ano passado, a HLDC anunciou a formação do ambicioso grupo I'M (Identidade Moda), que, além da Zoomp, incluiria as grifes de Alexandre Herchcovitch e de Fause Haten, entre outras.
Em março, a I'M desmoronou. Herchcovitch e Fause Haten deixaram o grupo. Kherlakian permaneceu, a fim de cumprir seu contrato de prestação de serviços -puramente formal, já que não fazia nada na Zoomp, como revelou mais tarde. "Minha função era no máximo entrar nos desfiles", diz.
A Folha tentou ouvir o grupo HLDC, mas não obteve resposta até o fechamento da edição. Agora, Kherlakian tenta se reerguer com a criação de uma grife de jeans premium femininos, a RK Denin. A Folha foi ao novo showroom do estilista, nos Jardins, para conferir as roupas. Uma pequena equipe acompanhou a apresentação das peças por uma modelo. São jeans muito bem acabados, elegantes, com pequenos detalhes que enriquecem o conjunto e ótima modelagem -o que é uma expertise do estilista.
Inicialmente, serão três linhas -jeanswear, alfaiataria e demi couture-, com 35 referências. Estão previstos cinco lançamentos anuais, com cem modelos. Segundo Kherlakian, ele já dispõe de 210 vitrines no país. As vendas para o varejo começam em 6 de janeiro. O lançamento oficial será em 12 de março, na Daslu. Os jeans custarão a partir de R$ 400.
Junto com os jeans serão distribuídas para os clientes as moedas que o estilista mandou cunhar em metal, com um brasão de sua família armênia. "É meu saco de moedas", diz Kherlakian, que, quase falido e sem sócios, reuniu o que lhe restava de economias e conseguiu acordos de produção -como o da fábrica Cosmak- para poder começar de novo.
Na entrevista a seguir, ele conta que, no auge da crise da Zoomp, sonhou que Lula nacionalizava a empresa.

 

FOLHA - Como o sr. explica a derrocada tão rápida da I'M?
RENATO KHERLAKIAN
- Eles montaram o grupo numa atitude de grande risco, não sei se escorados por uma verdade financeira. Foram comprando as grifes, dizendo que tinham meio bilhão de dólares para fazer a I'M, com 12 marcas. Em janeiro, no auge da euforia, me propuseram inclusive fazer uma linha masculina e abrir uma loja de 800 m2 em frente ao shopping Iguatemi. Cheguei a levar o arquiteto Felipe Crescenti lá. Alexandre [Herchcovitch] levou toda a sua alfaiataria para o prédio da Zoomp, cujo desfile na SPFW foi maravilhoso. Eu até abracei o Conrado [Will, sócio do grupo HLDC] e chorei. Lembra do meu colete com a sigla I'M? Era um colete do Yohji Yamamoto, onde eu colei o I'M no lugar do Y3.
Em março, o blefe acabou estourando. Descobriu-se que eles não tinham pago ninguém. Foi uma debandada geral. Se o Alexandre não tivesse fechado logo com a Inbrands, ele teria quebrado. Não sei como o Fause [Haten] não quebrou.
Foi o dia da vergonha nacional no nosso setor. Vivemos uma palhaçada muito triste. Não sei o que aconteceu. Como fizeram um planejamento tão lindo sem estarem escorados financeiramente? A gente tem que suspeitar de tudo, como um Sherlock Holmes. Pode até ser até que, desde o início, já tivessem previsto dar este balão, na esperança que aparecesse algum [Alexandre] Menegotti [dono da AMC Têxtil] interessado em comprar o negócio.

FOLHA - O sr. chegou a trabalhar em alguma linha de criação?
KHERLAKIAN
- Eu deveria ajudar na criação, mas no dia-a-dia não desenvolvi nenhuma linha para a Zoomp. Eles me congelaram, me colocaram no escanteio, não conseguia fazer nada. Minha função era no máximo entrar no desfile. Quando falaram em fazer a RK Homem, desenvolvi uma linha com 250 referências, que nunca foi produzida. Parei de falar com eles. Só cobrava, não apenas o meu salário, mas que resolvessem os meus avais. Porque, ao assumirem a Zoomp, eles teriam a responsabilidade de trocar o aval, de renovar as dívidas. Eu ainda tenho responsabilidade sobre isso. Se eu entrar numa revendedora e quiser comprar um carro usado, não posso, porque meu nome está no Serasa.

FOLHA - Por que o sr. decidiu vender a Zoomp ao grupo HLDC?
KHERLAKIAN
- Hoje posso contar, porque já terminou o sigilo contratual previsto. Mas em 2005 ou 2006, sentei com o grupo Menegotti para tentar vender a Zoomp. Também fui a Milão, falar com o grupo IT. Ouvi outras propostas, algumas indecorosas. A situação pedia que eu me livrasse o mais rapidamente possível da empresa.
No auge da crise da Zoomp, antes de vendê-la, eu tive um sonho, que nunca contei para ninguém até agora. Sonhei com um grande comício, onde havia um palanque com vários políticos. No meio do palanque, estávamos o presidente Lula e eu. Ele discursava, gritando para o povo que eu "era o homem", que a "Zoomp era um ícone nacional". Eu sonhei que estava sendo salvo pelo governo federal. Já pensou nacionalizar uma marca como a Zoomp e fazer 5 milhões de jeans com o raio para o povo brasileiro?


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