|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/"O Futebol Explica o Brasil"
Obra que une bola à história presta um grande serviço
XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA
Sempre guardei uma dúvida tremenda, diante de
artistas e estudiosos
-aqui valendo historiadores,
sociólogos, antropólogos etc.-
sobre essa onda de achar que o
futebol é metáfora ou imagem
banal para explicar o suíngue, o
balé, o governo Getúlio, o autoritarismo de Garrastazu Médici, a pororoca social do profeta
João Baptista Figueiredo ou a
administração popularíssima
do Lula.
Prossigo com a desconfiança
pendurada no fio mental que
segura tanto o bêbado quanto o
equilibrista. É que acho a arte
ludopédica superior mesmo. E
linguagem por si. Não carece de
acadêmicos ou de viver a reboque dos sequestradores de simbologias.
Mas temos, quase todos, que
admitir, cresce assustadoramente a capacidade de uma
gente estudiosa que une as duas
coisas, futebol e realidade, e
nos convence bonito. O historiador e jornalista Marcos Guterman, dono de "O Futebol
Explica o Brasil", entre a profundidade iluminista do seu
primeiro ofício e o coloquialismo da vida de redação, fez mais
um bom livro do gênero.
Sai costurando para fora, de
1910 aos anos 00, o tricô entre o
que acontece nos estádios e a
política. Daí encontramos, por
exemplo, a origem povão e operária do Corinthians, os times
de colônias imigrantes, o branco no preto que já estavam em
Mário Filho e Gilberto Freyre...
Até descambar na era Collor,
ex-presidente do CSA de Alagoas.
Por que são bons então esses
livros que unem a bola à história? Prestam um grande serviço
e revelam um para quem não
sabe do outro. Quanto moleque
não vai se ligar mais aos dois
mundos depois de uma visita
ao Museu do Futebol, aqui no
Pacaembu, em São Paulo?
Tem
maneira mais atraente de narrar a trajetória deste país?
Guterman tem méritos também além dessa conta simplista
que faço. Esmiúça o Brasil do
complexo de vira-lata, antes de
ganhar Copa, com zelo nunca
dantes visto.
O livro, em comparação com
outros mais delirantes, como
"Veneno Remédio", de José
Miguel Wisnik, é uma viagem
guiada e mais pedagógica ao
museu que citei logo acima.
A bibliografia do país do futebol se divide mesmo entre soltar as crianças para brincar no
museu ou explicá-las sobre a linha do tempo.
Ótimo, estamos
bem de argumentos. Guterman
não fica devendo nada da sua
parte bem explicada e honesta.
Do que ainda sentimos falta é
da ficção futebolística. O único
genial do ramo é o contemporâneo "O Paraíso é Bem Bacana",
de André Sant'anna, de 2006,
que vale por dez "Como o Futebol Explica o Mundo", do badalado Franklin Foer. Sim, temos
uma boa penca de contos.
Ah, deixa para lá, tese mais
idiota: o futebol não carece dos
livros e as bibliotecas não precisam de bolas. Discutir esse assunto é chegar sempre na filosofia de Jardel, grande atacante
cearense que emplacou no
mundo: "Clássico é clássico e
vice-versa".
O FUTEBOL EXPLICA O BRASIL
Autor: Marcos Guterman
Editora: Contexto
Quanto: R$ 39 (272 págs.)
Avaliação: bom
Texto Anterior: Crítica/"Folha Explica Villa-Lobos": Violonista Fabio Zanon relativiza as lendas e a revisão do mito Villa-Lobos Próximo Texto: Literatura: Sarau celebra 5 anos Índice
|