São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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DEPOIMENTO

Nelson Rodrigues é o farol que nós temos

Dramaturgo resiste à desconstrução e é referência necessária para que o teatro supere o momento atual, tedioso


É IMPOSSÍVEL SUPERÁ-LO, SEJA POR SUA VIDA TRÁGICA, SEJA PORQUE ELE FOI UM JORNALISTA DE FATOS TERRÍVEIS


ANTUNES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nelson Rodrigues foi um poeta, foi gênio. Começou o teatro brasileiro, praticamente. Existe o pré-Nelson e o pós-Nelson. Mesmo o pós ainda é Nelson muito forte.
Ele trabalhou com coisas com as quais ninguém lidava. Quando estava todo mundo em Freud, ele já estava em Jung, sabe? Trabalhava com a mitopoesia, com o inconsciente coletivo.
Por meio desse inconsciente, trouxe à tona uma linha desejante de luz nas utopias de seus personagens. E quanto mais utópicos, mais eles se afundavam no lamaçal. É bonita a trajetória de correr atrás da luz e cair no abismo, ser engolido por areias movediças.
Nelson vem das cavernas, vem do homem primitivo e de suas necessidades, angústias e recalques.
No teatro atual, a sintaxe dramática é insuportável. E o Nelson resiste a isso, como resiste ao pós-dramático, à desconstrução, ao Lacan e sua historicidade do outro.
Hoje, não se entende muito as coisas. Só sabemos que o teatro está muito chato, sem saída. Há um certo tédio.
Como sair disso e ir para novos caminhos, como encontrar outras vertentes de luz?
Estamos num momento de transição violenta, e nisso Nelson é sempre útil, porque é poeta. E é isso o que o salva.
Ele é a referência, a luz, o farol que nós temos. E, se é o melhor, vamos tentar superar o melhor. Acontece que é impossível superá-lo, seja por sua vida trágica, seja porque ele foi um jornalista de fatos sanguíneos terríveis.
Ele teve essa sorte, podemos dizer, ironicamente. A tragicidade sempre o rondou.
Quem faz teatro está desesperado. Ao mesmo tempo em que está terrível, a situação é propícia para que estoure algo. O novo está na incubadeira. Pode surgir alguém que supere tudo, dê um caminho ao teatro.

ANTUNES FILHO , 81, é diretor teatral

Depoimento dado ao repórter Lucas Neves


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