São Paulo, quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

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ARTES

Venezuelano radicado em Paris foi criador do gênero cinético que tem como base o movimento (ou sensação de) da obra

Morre, aos 81, Jesús Soto, verbete da arte

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

As enciclopédias de arte contemporânea estão defasadas desde ontem. Foi enterrado nesta quarta-feira, em Paris, o venezuelano Jesús Rafael Soto, um dos pais da chamada arte cinética, importante corrente desenvolvida no início dos anos 50.
O artista, que segundo a agência France Presse teria morrido na segunda-feira de causas desconhecidas (jornais venezuelanos sustentam que ele tinha câncer), tinha 81 anos e mesmo doente continuava na ativa. Uma ampla retrospectiva de seu trabalho estava prevista para ser inaugurada nesta terça no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio.
Boa parte das obras para a mostra viriam da fundação que leva o nome do artista, criada por ele na cidade onde nasceu, Ciudad Bolívar, na Amazônia venezuelana.
Foi em Caracas que Soto fez seus primeiros estudos. Mas na capital francesa, para onde se mudou em 1947 levando pouco mais de uma viola (com a qual se sustentou no início), que ele ajudou a mudar o movimento das artes.
Movimento é palavra-chave ao trabalho do venezuelano. "Toda a arte que questione temas relacionados ao movimento pode ser chamada de arte cinética", disse o artista em entrevista à Folha em 2002. Na mesma conversa ele contou que sua pulsão inicial não era relacionada com o movimento, mas com o aprisionamento do tempo nas obras de arte que fazia.
Ele diz que teve essa percepção ao comparar o tempo que os espectadores de uma vernissage gastavam para ver um concerto apresentado na abertura da mostra com os poucos minutos que os mesmos espectadores dedicavam às pinturas em exibição.
"Um dia me dei conta de que me maravilhava o pedido de tempo que a música faz. Ela solicita tempo ao ouvinte para que receba sua mensagem. Por outro lado, alguém pode ir a um museu ver Rubens e passar menos de cinco minutos para ver um quadro", disse.
Soto acreditava que encontraria a resposta para a charada no trabalho dos cubistas, mas diz que foram outras as matrizes usadas para desenvolver a arte cinética.
Por um lado se inspirou nos móbiles do americano Alexander Calder e na imaginação delirante do francês Marcel Duchamp, autor da clássica pintura "Nu Descendo a Escada". Por outro, mais importante, na música contemporânea. "A música serial atribuía um número a cada nota musical. Então faziam uma espécie de permutações numéricas para chegar às composições. Comecei a me perguntar por que não fazer um trabalho serial com a cor."
Soto distribuiu, então, um número de um a oito a um octeto de cores e começou a fazer permutações entre elas. "Isso gerou uma sensação de vibração fantástica, a cor passou a vibrar, de modo diferente do que a vibração dos impressionistas."
Em abril de 1955, meio-século atrás, ele o húngaro Victor Vasarely, Calder, Duchamp, o suíço Jean Tinguely, o israelense Agam e o belga Pol Bury levaram experimentos como esses para uma exposição em Paris chamada "O Movimento", que acabou como um marco-zero do cinetismo.
Embora tenha tido uma recepção dura no início e use como base idéias aparentemente pouco acessíveis, a arte criada por Soto ganhou popularidade com o tempo. Exemplo é a participação do artista na 23ª Bienal de São Paulo (1996), uma das cinco bienais paulistanas nas quais expôs.
Uma pesquisa apontou as obras de Picasso, a tela "O Grito", de Munch, e uma grande esfera vermelha de Soto como os trabalhos prediletos do público. "O que me deixa mais contente é que sou popular não só com os intelectuais, mas com as crianças e as pessoas da rua", disse. "O povo é cúmplice de minha criação."


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