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ARTES
Venezuelano radicado em Paris foi criador do gênero cinético que tem como base o movimento (ou sensação de) da obra
Morre, aos 81, Jesús Soto, verbete da arte
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
As enciclopédias de arte contemporânea estão defasadas desde ontem. Foi enterrado nesta
quarta-feira, em Paris, o venezuelano Jesús Rafael Soto, um dos
pais da chamada arte cinética, importante corrente desenvolvida
no início dos anos 50.
O artista, que segundo a agência
France Presse teria morrido na segunda-feira de causas desconhecidas (jornais venezuelanos sustentam que ele tinha câncer), tinha 81 anos e mesmo doente continuava na ativa. Uma ampla retrospectiva de seu trabalho estava
prevista para ser inaugurada nesta terça no Centro Cultural Banco
do Brasil, no Rio.
Boa parte das obras para a mostra viriam da fundação que leva o
nome do artista, criada por ele na
cidade onde nasceu, Ciudad Bolívar, na Amazônia venezuelana.
Foi em Caracas que Soto fez
seus primeiros estudos. Mas na
capital francesa, para onde se mudou em 1947 levando pouco mais
de uma viola (com a qual se sustentou no início), que ele ajudou a
mudar o movimento das artes.
Movimento é palavra-chave ao
trabalho do venezuelano. "Toda a
arte que questione temas relacionados ao movimento pode ser
chamada de arte cinética", disse o
artista em entrevista à Folha em
2002. Na mesma conversa ele
contou que sua pulsão inicial não
era relacionada com o movimento, mas com o aprisionamento do
tempo nas obras de arte que fazia.
Ele diz que teve essa percepção
ao comparar o tempo que os espectadores de uma vernissage
gastavam para ver um concerto
apresentado na abertura da mostra com os poucos minutos que os
mesmos espectadores dedicavam
às pinturas em exibição.
"Um dia me dei conta de que
me maravilhava o pedido de tempo que a música faz. Ela solicita
tempo ao ouvinte para que receba
sua mensagem. Por outro lado, alguém pode ir a um museu ver Rubens e passar menos de cinco minutos para ver um quadro", disse.
Soto acreditava que encontraria
a resposta para a charada no trabalho dos cubistas, mas diz que
foram outras as matrizes usadas
para desenvolver a arte cinética.
Por um lado se inspirou nos
móbiles do americano Alexander
Calder e na imaginação delirante
do francês Marcel Duchamp, autor da clássica pintura "Nu Descendo a Escada". Por outro, mais
importante, na música contemporânea. "A música serial atribuía
um número a cada nota musical.
Então faziam uma espécie de permutações numéricas para chegar
às composições. Comecei a me
perguntar por que não fazer um
trabalho serial com a cor."
Soto distribuiu, então, um número de um a oito a um octeto de
cores e começou a fazer permutações entre elas. "Isso gerou uma
sensação de vibração fantástica, a
cor passou a vibrar, de modo diferente do que a vibração dos impressionistas."
Em abril de 1955, meio-século
atrás, ele o húngaro Victor Vasarely, Calder, Duchamp, o suíço
Jean Tinguely, o israelense Agam
e o belga Pol Bury levaram experimentos como esses para uma exposição em Paris chamada "O
Movimento", que acabou como
um marco-zero do cinetismo.
Embora tenha tido uma recepção dura no início e use como base idéias aparentemente pouco
acessíveis, a arte criada por Soto
ganhou popularidade com o tempo. Exemplo é a participação do
artista na 23ª Bienal de São Paulo
(1996), uma das cinco bienais
paulistanas nas quais expôs.
Uma pesquisa apontou as obras
de Picasso, a tela "O Grito", de
Munch, e uma grande esfera vermelha de Soto como os trabalhos
prediletos do público. "O que me
deixa mais contente é que sou popular não só com os intelectuais,
mas com as crianças e as pessoas
da rua", disse. "O povo é cúmplice
de minha criação."
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