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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
A. Alvarez: a voz e a escuta
Em Alvarez, a má vontade com o espontaneísmo segue a recusa da crítica esquecida de seu objeto, o texto literário
NAS CONFERÊNCIAS que o poeta e ensaísta inglês A. (Alfred) Alvarez (1929) reuniu
sob o título "A Voz do Escritor", já
comentadas neste espaço por Manuel da Costa Pinto, a pergunta, de
tão essencial, parece ingênua: quem
ou o quê fala na literatura? De onde
brota a voz do escritor? O fato é que,
mais ou menos altissonantes, mais
ou menos terra-a-terra, as tentativas de se haver com ela traem o crítico e a família que o acolhe.
Ler Alvarez, que já teve dois outros livros traduzidos no Brasil
("Noite" e "O Deus Selvagem: um
Estudo do Suicídio", editados pela
Companhia das Letras), faz pensar
na reação dos "new critics" à obra de
Adorno durante o exílio americano
do filósofo. Atraídos pela escrita intrincada e pelo rigor da leitura imanente, como bons sulistas, homens à
antiga, tinham horror a sua matriz
de esquerda, conta Roberto
Schwarz.
Em Alvarez, formado na tradição
do alto modernismo (Eliot está no
topo de seu paideuma), a má vontade com qualquer resquício de espontaneísmo e relaxamento formal
acompanha a recusa da crítica literária esotérica, tecnicista e esquecida de seu objeto, o texto literário,
convertido em mero pretexto para
pura teoria. Na tradição inglesa,
seus ensaios partem de singularidades concretas desde a origem,
muitos deles desenvolvidos a partir
de artigos publicados na "New
Yorker", ou de palestras (caso de "A
Voz do Escritor").
Tópicos vastos como a reverberação da noite ou do suicídio na imaginação poética ocidental, com suas
dimensões históricas e antropológicas, são palmilhados a partir de respostas individuais que criadores específicos deram a eles em poemas e
romances. Temática, a crítica não
perde sua dimensão analítica e individualizada (desejável), aqui marcada por uma noção aristocrática da
arte, aguda sensibilidade estética e
um conservadorismo informado
(este, menos simpático).
"Encontrando uma Voz" e "Escutando", primeiras seções de "A Voz
do Escritor", rendem homenagem a
essa modalidade de crítica, escavando a disposição construtiva que se
esconde sob a figura equívoca do
"autor inspirado" e reforçando a
idéia valeriana do "leitor inspirado",
mobilizado por efeito da linguagem.
O vórtice literário tem sua lógica
própria. Sem os paradoxos de Maurice Blanchot, sem economizar
exemplos, Alvarez mostra como a
voz autêntica é um fenômeno quase
corpóreo (começa atrás dos joelhos
e acaba no meio da cabeça, segundo
Philip Roth) e não se confunde com
estilo ou riqueza de personalidade.
Já a terceira seção, "O Culto da
Personalidade e o Mito do Artista", é
uma recusa em bloco e apriorística
(contra os princípios do autor) dos
beatniks e da contracultura, perdendo a razão ao resvalar em moralismo. Apesar dela, o crítico foge do lugar-comum e sobrevive aos deslizes
da tradução (como o canhestro "novo criticismo", "imageria" por imagem, "Augustos" por augustanos, os
poetas neoclássicos ingleses).
A VOZ DO ESCRITOR
Autor: Alfred Alvarez
Editora: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 28,90 (162 págs.)
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