São Paulo, sábado, 20 de janeiro de 2007

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

A. Alvarez: a voz e a escuta

Em Alvarez, a má vontade com o espontaneísmo segue a recusa da crítica esquecida de seu objeto, o texto literário

NAS CONFERÊNCIAS que o poeta e ensaísta inglês A. (Alfred) Alvarez (1929) reuniu sob o título "A Voz do Escritor", já comentadas neste espaço por Manuel da Costa Pinto, a pergunta, de tão essencial, parece ingênua: quem ou o quê fala na literatura? De onde brota a voz do escritor? O fato é que, mais ou menos altissonantes, mais ou menos terra-a-terra, as tentativas de se haver com ela traem o crítico e a família que o acolhe.
Ler Alvarez, que já teve dois outros livros traduzidos no Brasil ("Noite" e "O Deus Selvagem: um Estudo do Suicídio", editados pela Companhia das Letras), faz pensar na reação dos "new critics" à obra de Adorno durante o exílio americano do filósofo. Atraídos pela escrita intrincada e pelo rigor da leitura imanente, como bons sulistas, homens à antiga, tinham horror a sua matriz de esquerda, conta Roberto Schwarz.
Em Alvarez, formado na tradição do alto modernismo (Eliot está no topo de seu paideuma), a má vontade com qualquer resquício de espontaneísmo e relaxamento formal acompanha a recusa da crítica literária esotérica, tecnicista e esquecida de seu objeto, o texto literário, convertido em mero pretexto para pura teoria. Na tradição inglesa, seus ensaios partem de singularidades concretas desde a origem, muitos deles desenvolvidos a partir de artigos publicados na "New Yorker", ou de palestras (caso de "A Voz do Escritor").
Tópicos vastos como a reverberação da noite ou do suicídio na imaginação poética ocidental, com suas dimensões históricas e antropológicas, são palmilhados a partir de respostas individuais que criadores específicos deram a eles em poemas e romances. Temática, a crítica não perde sua dimensão analítica e individualizada (desejável), aqui marcada por uma noção aristocrática da arte, aguda sensibilidade estética e um conservadorismo informado (este, menos simpático).
"Encontrando uma Voz" e "Escutando", primeiras seções de "A Voz do Escritor", rendem homenagem a essa modalidade de crítica, escavando a disposição construtiva que se esconde sob a figura equívoca do "autor inspirado" e reforçando a idéia valeriana do "leitor inspirado", mobilizado por efeito da linguagem.
O vórtice literário tem sua lógica própria. Sem os paradoxos de Maurice Blanchot, sem economizar exemplos, Alvarez mostra como a voz autêntica é um fenômeno quase corpóreo (começa atrás dos joelhos e acaba no meio da cabeça, segundo Philip Roth) e não se confunde com estilo ou riqueza de personalidade.
Já a terceira seção, "O Culto da Personalidade e o Mito do Artista", é uma recusa em bloco e apriorística (contra os princípios do autor) dos beatniks e da contracultura, perdendo a razão ao resvalar em moralismo. Apesar dela, o crítico foge do lugar-comum e sobrevive aos deslizes da tradução (como o canhestro "novo criticismo", "imageria" por imagem, "Augustos" por augustanos, os poetas neoclássicos ingleses).


A VOZ DO ESCRITOR    
Autor: Alfred Alvarez
Editora: Civilização Brasileira
Quanto: R$ 28,90 (162 págs.)


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