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Moda tem que parar de sacrificar modelos
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA
VIVIAN WHITEMAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Chegou a um nível irresponsável e escandaloso a magreza
das modelos nas semanas brasileiras de moda. As garotas,
muitas delas recém-chegadas à
adolescência, exibem verdadeiros gravetos como pernas e, no
lugar dos braços, carregam espécies de varetas desconjuntadas. De tão desencarnadas e enfraquecidas, algumas chegam a
se locomover com dificuldade
quando têm que erguer na passarela os sapatos pesados de
certas coleções.
Usualmente consideradas
arquétipos de beleza, essas modelos já estão se acercando de
um estado físico limítrofe, em
que a feiura mal se distingue da
doença.
Essa situação tem o conluio
de todo o meio da moda, que faz
vista grossa da situação, mesmo sabendo das crueldades que
são impostas às meninas e das
torturas que elas infligem a si
mesmas para permanecerem
desta maneira: um amontoado
de ossos, com cabelos lisos e
olhos azuis.
Uma rede de hipocrisia se espalhou há anos na moda, girando viciosamente, sem parar: os agentes de modelos dizem que os estilistas preferem as moças
mais magras, ao passo que os estilistas justificam que as
agências só dispõem de meninas esqueléticas. Em uníssono,
afirmam que eles estão apenas seguindo os parâmetros de beleza determinados pelo "mercado" internacional -indo todos se deitar, aliviados e sem
culpa, com os dividendos debaixo do travesseiro.
Alguns, mais sinceros, dizem que não querem "gordas", com
isso se referindo àquelas que vestem nº 36. Outros explicitam ainda mais claramente o
que pensam dessas modelos: afirmam que elas não passam de "cabides de roupas".
Enquanto isso, as garotas emagrecem mais um pouco,
mais ainda, submetidas também a uma pressão psicológica
descomunal para manterem, em pleno desenvolvimento juvenil, as características de um
cabide.
Um emaranhado de ignorâncias, covardias e mentiras vai
sendo, assim, tecido pelo meio da moda, inclusive pelos estilistas mais esclarecidos, que não pesam as consequências do drama (alheio) no momento
em que exibem, narcisicamente, suas criações nas passarelas.
Para uma semana de moda, que postula um lugar forte na
sociedade brasileira, é um disparate e uma afronta que ela
exiba a decrepitude física como modelo a milhões de adolescentes do país.
Para a moda como um todo, que vive do sonho de embelezar
a existência, a forma como os agentes e os estilistas lidam
com essas moças é não apenas cruel, mas uma blasfêmia. Eles,
de fato, não estão afirmando a
grandeza da vida, mas propagando a fraqueza e a moléstia.
O filósofo italiano Giorgio Agamben escreveu que as modelos são "as vítimas sacrificiais de um deus sem rosto". É hora de
interromper esse ritual sinistro. É hora de parar com essas mistificações da moda, que prega futuros ecológicos, convivências fraternais e fantasias de glamour,
enquanto exibe nas passarelas verdadeiros flagelos humanos.
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