São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 2001

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CRÍTICA

Lugares-comuns da literatura são alvo do autor

DA REPORTAGEM LOCAL

O argentino Federico Andahazi, uma das revelações da literatura latino-americana contemporânea, coloca seus romances a serviço de dois propósitos: a crítica aos lugares-comuns da literatura e uma abordagem original da interação entre história e ficção.
Em "O Anatomista" (ed. Relume-Dumará, 97), o escritor resgatou a trajetória de um obscuro médico do século 16, Mateo Colombo, que, motivado por uma paixão e por um furor detetivesco, busca a descoberta do órgão do prazer feminino, para isso enfrentando até a Inquisição.
A figura do protagonista no romance corresponde à de um marginal em seu tempo. O livro tem ambientação histórica, mas fatos são deformados e alterados em pró do andamento do enredo.
Já em "As Piedosas" (Companhia das Letras, 98), o cenário histórico é outro, e Andahazi explora uma reunião literária entre Lord Byron, Percy e Mary Shelley, em Villa Diodati, Genebra, em 1816. Desse encontro sairiam as idéias para a criação de obras como "Frankenstein" (Mary Shelley). O livro mistura literatura gótica e policial, satirizando os lugares-comuns de ambos os gêneros, além de apresentar um quadro tenebroso dos dramas individuais que usualmente afligem os escritores: a inspiração, o plágio, a tradição, a traição etc.
Com "El Príncipe", Andahazi repete a fórmula, satirizando o próprio realismo mágico latino-americano, mostrando que este tem muito a fazer para ser mais interessante que a realidade.
O livro conta a história de um líder diabólico que, sem que seus súditos conheçam nada de seu passado e mesmo de suas idéias políticas, é eleito presidente de um país imaginário.
O presidente recebe instruções de um "orientador espiritual", que podemos identificar como a "voz" de Maquiavel, com o nome de Huáscar Molina Viracocha, figura que toma diferentes formatos em suas aparições, podendo ser um cacto ou mesmo a figura de Carlos Gardel.
O líder tem características de presidentes contemporâneos e ditadores recentes da América Latina e sua principal marca é a de esconder suas intenções, que na verdade não existem, e impingir o medo por dons mágicos, como voar ou lançar pragas.
Não faltam ministros alados nem cachorros que tomam posse da cidade como seres humanos, nem metáforas políticas, como a do líder da oposição que cai num sono eterno assim que consegue chegar ao poder.
Assim como "Amor Para Sempre", de Ian McEwan, ou "A Jangada de Pedra", de José Saramago, para não citar "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, "El Príncipe" inscreve-se na tradição de livros com primeiros capítulos que quase roubam a cena do conjunto, praticamente trazendo seu clímax para a introdução.
No livro de Andahazi, este descreve um balé aéreo da cúpula presidencial sobre uma atônita cidade -que poderíamos identificar como Buenos Aires, São Paulo, Santiago etc.
(SYLVIA COLOMBO)


El Príncipe
    
Autor: Federico Andahazi
Editora: Planeta (importado)
Preço: U$S 15


Onde comprar: www.submarino.com.ar, www.amazon.com


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