São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2002

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Reflorestamento de letras

Dado Galdieri/Divulgação
Oficina-piloto feita pelas coordenadoras da Expedição Vaga-Lume na comunidade de Alter do Chão, no Pará, em novembro passado



Expedição formada por três jovens percorrerá a Amazônia durante dez meses para implantar bibliotecas infanto-juvenis


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Em menos de um mês um novo tipo de inseto vai se juntar aos 10 milhões de espécies da classe já existentes na Amazônia. Ele tem seis olhos, seis pernas, três bocas e vai "polinizar" 7.000 livros pela maior floresta do mundo.
A criatura leva o nome de Expedição Vaga-Lume, é formada pelas jovens Laís Fleury, 27, Maria Teresa Meninberg, 24, e Sylvia Guimarães, 24, e levanta vôo em direção ao Norte do país no Dia Internacional da Mulher.
No próximo 8 de março o trio de amigas começa uma viagem que pretende "deixar um rastro de luz" pela Amazônia brasileira.
As "vaga-lumes" vão passar dez meses ininterruptos percorrendo todas as beiradas da região para implantar em comunidades carentes 22 bibliotecas voltadas a crianças e adolescentes.
Esse projeto de "reflorestamento literário" começou a ser semeado quando as três se conheceram, por acaso, em viagens por Pernambuco e Inglaterra.
Em dezembro de 1999, o trio decidiu que queria unir a paixão pelas viagens com "o desejo de dar uma contribuição ao país".
O ano de 2000 foi todo usado para montar esse quebra-cabeça. Muita conversa com professores, líderes de organizações não-governamentais (ONGs), sociólogos e educadores mais tarde, chegaram até a célebre frase de Monteiro Lobato: "Um país se faz com homens e livros".
"Não queríamos apenas passar pelos lugares. A idéia era deixar algo com eles", conta a paulistana Maria Teresa, codinome Fofa.
"Achamos um jeito de transpor um universo", completa a goiana Laís, no pequeno escritório em São Paulo que serve de sede para as "vaga-lumes".
Não foi muito difícil encontrar o epicentro da escassez de livros no Brasil. O maior deserto literário estava na Amazônia, que, segundo os últimos dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas do Ministério da Cultura (leia texto abaixo), não tem mais de 400 bibliotecas públicas para seus 4,9 milhões de km 2.
O trio se dividiu, então, em três frentes: mapear as comunidades carentes, elaborar a lista de títulos e, o ponto mais complicado dos projetos sociais no país, conseguir patrocinadores. Tudo isso apenas no tempo livre do trabalho de cada uma ("Fofa" trabalhava com aromaterapia; Sylvia, em um projeto de habitação popular; Laís lidava com marketing cultural) .
Com ajuda de empresas e com consultoria de escritoras como Ruth Rocha, as meninas montaram uma lista de 320 títulos, quase todos infantis e infanto-juvenis e de autores nacionais (incluindo de Monteiro Lobato até obras para crianças de Guimarães Rosa e Clarice Lispector).
A seleção das comunidades que receberão as bibliotecas foi feita à base de telefone, muito telefone. Foram centenas de ligações para secretarias municipais, estaduais e ONGs para definir a lista de 22 povoados.
A última etapa, o patrocínio, foi resolvido com o interesse de uma financiadora de carros chamada Fináustria e a empresa de telefonia Amazônia Celular. Para complementar a operação, as "vaga-lumes" teceram uma trama de colaboradores que inclui até a Força Aérea Brasileira.
Foi a bordo de um avião da FAB, aliás, que elas viajaram no dia 19 de novembro para fazer uma espécie de piloto da expedição. O trio passou um mês na comunidade de Alter do Chão (PA).
Com a primeira experiência, decidiram reformular algumas linhas do projeto. Além de deixar as três centenas de livros e de fazer atividades com as crianças, perceberam que seria necessário trabalhar com as professoras.
"Se o professor não estimular, as crianças vão demorar para se acostumarem aos livros", diz Maria Teresa. Em cada povoado que visitarem, as "vaga-lumes" desenvolverão um trabalho de 40 horas de oficinas, baseadas em curso que fizeram do projeto Biblioteca Viva, da Fundação Abrinq.
O tempo restante será gasto, em sua maioria, no deslocamento de uma comunidade para a outra. A viagem inaugural, por exemplo, faz um pinga-pinga em Goiânia, Nova Xavantina e Campinópolis até chegar, quase 30 horas depois, em São José do Couto (MT).
Por conta da dificuldade dos traslados, a maior parte feitos em canoas, o projeto elaborou estantes desmontáveis de madeira, que estão sendo feitas por presidiários de Ananindeua, no Pará.
"Se as crianças não podem visitar a biblioteca, a biblioteca vai às crianças", brinca Laís.



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