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80 ANOS
Com tema "O País no Jornal", evento marcou lançamento do livro "Figuras do Brasil - 80 Autores em 80 Anos de Folha"
Debate faz crítica à posição do jornalismo
VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um exercício de
crítica e algumas
autocríticas marcaram anteontem o
debate "O País no
Jornal", com os colunistas da Folha Marcelo Coelho,
Luís Nassif, Eugênio Bucci e Eliane Cantanhêde, além do ombudsman, Bernardo Ajzenberg.
Realizado no Teatro Folha, em
São Paulo, o encontro encerrou as
comemorações do aniversário de
80 anos do jornal e serviu de palco
para o lançamento do livro "Figuras do Brasil - 80 Autores em 80
Anos de Folha" (ed. Publifolha,
352 págs., R$ 34), organizado pelo
articulista Arthur Nestrovski, que
também mediou o debate.
O livro pontuou as discussões
sobre o tema "O País no Jornal".
Alguns dos 80 autores que escreveram na Folha entre 1921 e 2001
foram citados na fala de cinco dos
seis participantes da mesa.
Sob os ângulos históricos da
cultura e da identidade do jornal,
Marcelo Coelho, 43, que também
é membro do Conselho Editorial,
comparou a figura do homem comum dos anos 20 e dos 80. O personagem Juca Pato, por exemplo,
criado pelo cartunista Belmonte, é
um sujeito despido de ambições
ideológicas ou revolucionárias,
um tipo urbano comum que permeia textos de Barbosa Lima Sobrinho, Otto Maria Carpeaux e
Guilherme de Almeida.
Nas crônicas dos anos 80, com
Plínio Marcos, ou nos 90, com
Fernando Bonassi, "a presença
desse homem comum torna-se
mais crispada", na avaliação de
Coelho. "É um contraponto para
notar a emergência de olhar radical da Folha. Aquele Juca Pato foi
como que tomado por rancor, é
retratado com violência no conto
de Modesto Carone ou na não-ficção de Arnaldo Jabor sobre o
massacre do Carandiru."
O avanço pendular de "afirmação e frustração" seria um dos
componentes do "radicalismo democrático" do jornal. "É essa crispação inconformada que vejo e
gostaria de continuar vendo na
Folha", diz Coelho.
Eliane Cantanhêde, 49, diretora
da Sucursal de Brasília, citou o
historiador Caio Prado Jr. e o poeta e editor Augusto Frederico
Schmidt, ambos contemplados
no livro, para lembrar que a injustiça social e a falta de ética na política são heranças não erradicadas.
"É como a dengue, "ninguém sabia", ninguém preveniu, e as pessoas estão morrendo."
Cantanhêde, no entanto, afirma
que o país político que se lê no jornal evoluiu. Se no passado Caio
Prado Jr. foi caçado por suas
idéias, diz a colunista, hoje existem políticos que são caçados por
assaltarem os cofres públicos.
"É uma mudança com a qual o
jornal nosso de cada dia está em
consonância. Precisamos de uma
imprensa crítica, apartidária e
muito, muito ousada", diz ela.
O ombudsman, Bernardo Ajzenberg, 43, afirma que o livro reflete a qualidade da ousadia, da
autoconfiança do jornal, mas ressalva que elas também podem, às
vezes, levá-lo a "cair do cavalo".
Ele expôs a atitude de "ódio e
amor do leitor, das queixas mais
comezinhas às, digamos, mais
nobres, numa relação que significa vida, carne e sangue, o que
mantém a pulsação do jornal".
Luís Nassif, 51, colunista e
membro do Conselho Editorial,
questionou os parâmetros do
pensamento radical e da cumplicidade do jornal com o leitor. Para
ele, "há uma ditadura na forma de
cativar o leitor e dar o que ele quiser", que impede a visão crítica.
Segundo Nassif, "a imprensa
ganhou poder sem maturidade,
reflete vícios da sociedade". E recorda o caso da Escola Base (1994)
como exemplo de prejulgamentos infundados. "O desafio é fugir
dessa armadilha, da mediocrização da mídia."
"O populismo é perigosíssimo,
o jornalismo não pode ser subordinado ao pensamento da maioria, precisa garantir os faróis da civilização e os direitos individuais
no país", prossegue Nassif.
O colunista Eugênio Bucci, 43,
endossa a tese da "tirania do leitor". "Não temos no Brasil o hábito da democracia, e o mercado ganha lugar na lógica de confundir o
ritmo e a missão do jornalismo."
Para Bucci, quando a Folha se
autodefine como "um jornal a
serviço do Brasil", ela não está se
subordinando ao país, não admite uma visão teleológica [a percepção do mundo como um sistema de relações entre meios e fins".
"Não é a Folha que está a serviço,
mas a ebulição do Brasil que está a
favor da Folha", diz.
Apesar da absorvência das virtudes públicas do jornalismo contemporâneo pelo mercado, para
Bucci, elas também evoluem para
fronteiras do debate social. "Pelas
bordas, a Folha está cobrindo aspectos da vida íntima, como a diversidade sexual, sem cair no paternalismo ou no sensacionalismo. A pluralidade chega à dimensão do indivíduo sem apelo."
Por fim, uma imagem pontuou
o debate de anteontem: a do copo
com água. Foi lançada como metáfora por Cantanhêde. A colunista sugere que o copo está pela metade, sinal de que "alguma coisa
está mudando" no país.
"Acho que falta muita água no
copo", diz Ajzenberg. "Eu penso é
na falta de copos", afirma Bucci,
que puxa versos de uma canção
de Gilberto Gil: "É sempre bom
lembrar/ Que um copo vazio/ Está
cheio de ar" ("Copo Vazio", 74).
Antes que a metáfora fosse servida à mesa, Coelho intuiu: "Algo
de sólido neste século foi construído. A situação não é tão aguda
quanto se pensava".
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