São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2002

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80 ANOS

Com tema "O País no Jornal", evento marcou lançamento do livro "Figuras do Brasil - 80 Autores em 80 Anos de Folha"

Debate faz crítica à posição do jornalismo

VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um exercício de crítica e algumas autocríticas marcaram anteontem o debate "O País no Jornal", com os colunistas da Folha Marcelo Coelho, Luís Nassif, Eugênio Bucci e Eliane Cantanhêde, além do ombudsman, Bernardo Ajzenberg.
Realizado no Teatro Folha, em São Paulo, o encontro encerrou as comemorações do aniversário de 80 anos do jornal e serviu de palco para o lançamento do livro "Figuras do Brasil - 80 Autores em 80 Anos de Folha" (ed. Publifolha, 352 págs., R$ 34), organizado pelo articulista Arthur Nestrovski, que também mediou o debate.
O livro pontuou as discussões sobre o tema "O País no Jornal". Alguns dos 80 autores que escreveram na Folha entre 1921 e 2001 foram citados na fala de cinco dos seis participantes da mesa.
Sob os ângulos históricos da cultura e da identidade do jornal, Marcelo Coelho, 43, que também é membro do Conselho Editorial, comparou a figura do homem comum dos anos 20 e dos 80. O personagem Juca Pato, por exemplo, criado pelo cartunista Belmonte, é um sujeito despido de ambições ideológicas ou revolucionárias, um tipo urbano comum que permeia textos de Barbosa Lima Sobrinho, Otto Maria Carpeaux e Guilherme de Almeida.
Nas crônicas dos anos 80, com Plínio Marcos, ou nos 90, com Fernando Bonassi, "a presença desse homem comum torna-se mais crispada", na avaliação de Coelho. "É um contraponto para notar a emergência de olhar radical da Folha. Aquele Juca Pato foi como que tomado por rancor, é retratado com violência no conto de Modesto Carone ou na não-ficção de Arnaldo Jabor sobre o massacre do Carandiru."
O avanço pendular de "afirmação e frustração" seria um dos componentes do "radicalismo democrático" do jornal. "É essa crispação inconformada que vejo e gostaria de continuar vendo na Folha", diz Coelho.
Eliane Cantanhêde, 49, diretora da Sucursal de Brasília, citou o historiador Caio Prado Jr. e o poeta e editor Augusto Frederico Schmidt, ambos contemplados no livro, para lembrar que a injustiça social e a falta de ética na política são heranças não erradicadas. "É como a dengue, "ninguém sabia", ninguém preveniu, e as pessoas estão morrendo."
Cantanhêde, no entanto, afirma que o país político que se lê no jornal evoluiu. Se no passado Caio Prado Jr. foi caçado por suas idéias, diz a colunista, hoje existem políticos que são caçados por assaltarem os cofres públicos.
"É uma mudança com a qual o jornal nosso de cada dia está em consonância. Precisamos de uma imprensa crítica, apartidária e muito, muito ousada", diz ela.
O ombudsman, Bernardo Ajzenberg, 43, afirma que o livro reflete a qualidade da ousadia, da autoconfiança do jornal, mas ressalva que elas também podem, às vezes, levá-lo a "cair do cavalo".
Ele expôs a atitude de "ódio e amor do leitor, das queixas mais comezinhas às, digamos, mais nobres, numa relação que significa vida, carne e sangue, o que mantém a pulsação do jornal".
Luís Nassif, 51, colunista e membro do Conselho Editorial, questionou os parâmetros do pensamento radical e da cumplicidade do jornal com o leitor. Para ele, "há uma ditadura na forma de cativar o leitor e dar o que ele quiser", que impede a visão crítica.
Segundo Nassif, "a imprensa ganhou poder sem maturidade, reflete vícios da sociedade". E recorda o caso da Escola Base (1994) como exemplo de prejulgamentos infundados. "O desafio é fugir dessa armadilha, da mediocrização da mídia."
"O populismo é perigosíssimo, o jornalismo não pode ser subordinado ao pensamento da maioria, precisa garantir os faróis da civilização e os direitos individuais no país", prossegue Nassif.
O colunista Eugênio Bucci, 43, endossa a tese da "tirania do leitor". "Não temos no Brasil o hábito da democracia, e o mercado ganha lugar na lógica de confundir o ritmo e a missão do jornalismo."
Para Bucci, quando a Folha se autodefine como "um jornal a serviço do Brasil", ela não está se subordinando ao país, não admite uma visão teleológica [a percepção do mundo como um sistema de relações entre meios e fins". "Não é a Folha que está a serviço, mas a ebulição do Brasil que está a favor da Folha", diz.
Apesar da absorvência das virtudes públicas do jornalismo contemporâneo pelo mercado, para Bucci, elas também evoluem para fronteiras do debate social. "Pelas bordas, a Folha está cobrindo aspectos da vida íntima, como a diversidade sexual, sem cair no paternalismo ou no sensacionalismo. A pluralidade chega à dimensão do indivíduo sem apelo."
Por fim, uma imagem pontuou o debate de anteontem: a do copo com água. Foi lançada como metáfora por Cantanhêde. A colunista sugere que o copo está pela metade, sinal de que "alguma coisa está mudando" no país.
"Acho que falta muita água no copo", diz Ajzenberg. "Eu penso é na falta de copos", afirma Bucci, que puxa versos de uma canção de Gilberto Gil: "É sempre bom lembrar/ Que um copo vazio/ Está cheio de ar" ("Copo Vazio", 74).
Antes que a metáfora fosse servida à mesa, Coelho intuiu: "Algo de sólido neste século foi construído. A situação não é tão aguda quanto se pensava".


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