São Paulo, sexta-feira, 20 de fevereiro de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

"KEN PARK"

Diretor de "Kids", Larry Clark opta por visão superficial e exógena de habitantes de subúrbio californiano

Sensacionalismo guia retrato da juventude

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

O verdadeiro autor de "Ken Park" não é Larry Clark nem Ed Lachman, seus co-diretores, mas Harmony Korine, o roteirista. Korine era um skatista perdido, não muito diferente dos personagens de "Ken Park", quando Larry Clark, pai de um amigo seu, aproveitou suas idéias para um filme, fazendo fama com "Kids" (1995). Hoje, Korine é um dos cineastas mais malditos (no bom sentido) e instigantes do novo cinema americano.
Os temas e personagens que movimentam "Ken Park" são recorrentes na obra de Korine. O tédio agressivo e desesperado da juventude, a obsessão pelas patologias e a poética das bizarrices cotidianas da vida doméstica americana. O erotismo tomado como excesso dilacerante que derruba todas as normas e hierarquias. A compulsão suicida que inspirou boa parte de seu livro de notas "A Crack-Up at the Race Riots" e seu projeto mais recente, em que, fazendo provocações raciais nos guetos, esgotou seu orçamento em contas de hospitais.
Ken Park não é o nome de um lugar, mas do jovem skatista que se suicida na seqüência inicial. O filme é a história de seus amigos, jovens de um subúrbio californiano. Tate (James Ransone) é um "nerd" angustiado que mora com os avós e gosta de se masturbar ao som de partidas de tênis feminino, com uma corda a lhe apertar o pescoço. Shawn (James Bullard) é um skatista que divide o seu tempo entre o sexo da namorada e o da sogra. Peaches (Tiffany Limos) é uma jovem ninfômana sabatinada pelo pai religioso. Claude (Stephen Jasso), um adolescente depressivo às voltas com os abusos do pai beberrão.
Fotógrafos de formação, os diretores Larry Clark e Ed Lachman debruçam-se de forma inevitavelmente exógena sobre temas que Korine costuma abordar de maneira livre, pessoal e direta. "Enfant terrible" de uma geração de mutantes, Korine expõe as vísceras do (falido) "american way of life" com a autoridade de quem sobreviveu a ele.
"Ken Park", eis o problema, não nos fala de dentro, apenas simula. Visto de fora, pelo olhar de Clark e Lachman, o universo de Korine perde a sua poesia, sua aura rimbaudiana. Resta-lhe apenas a aparência de uma psicopatologia social. Somos levados a julgar os personagens e seu mundo a partir de um ponto de vista limitado, demasiado extrínseco. Um olhar, eis o pior, que tende ao sensacionalismo, ao falso moralismo dos que pretendem denunciar chocando. Já desde "Kids", quando somou ao roteiro de Korine o tema da Aids, e especialmente em "Bully", Clark flertava com o falso moralismo típico dos sensacionalistas. Em "Ken Park", sua câmera procura pelo sexo (explícito, não custa avisar) das personagens como quem suplica por polêmica. Os personagens não parecem interessá-lo tanto quanto a possibilidade de fazer sensação com eles.


Ken Park
Idem
  
Produção: EUA/Holanda/França, 2002
Direção: Larry Clark, Ed Lachman
Com: James Ransone,Tiffany Limos
Quando: a partir de hoje, no cines Bristol, Espaço Unibanco e circuito



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