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MEMÓRIA
Cineasta influenciou toda uma geração de documentaristas, com trabalhos etnológicos como "Moi, un Noir"
Morre Jean Rouch, pai do cinema-verdade
CRÍTICO DA FOLHA
Morreu ontem o cineasta francês Jean Rouch, um dos mais influentes documentaristas dos
anos 50 e 60. Rouch morreu em
um acidente de carro no Níger,
aos 86 anos de idade, ainda em
plena atividade cinematográfica.
Era a referência primeira da era
dos cinemas novos.
O bom documentário tende à
ficção, a boa ficção tende ao documentário: o que Godard dizia do
cinema de Rouch passou a valer
para todo o cinema moderno do
pós-Segunda Guerra, fundado
sob uma relação mais dialética
entre documentário e ficção.
Rouch fugiu do Ocidente para
declarar "Moi, un Noir" ("Eu, um
negro", 1958): grito que ecoa o lema rimbaudiano "Eu, um outro".
O filme resulta do encontro entre
um etnólogo branco que já não é
mais o mesmo e imigrantes nigerianos em plena fabulação, personagens reais ficcionalizando a si
próprios. Os personagens dão um
passo rumo ao autor, dando-se o
nome de heróis brancos, e o autor
dá um passo rumo às personagens, restituindo-lhes a palavra;
tudo o que Rouch prometera aos
seus (não-)atores fora o "direito
de tudo falar".
O cinema-verdade começava a
se afirmar ali como língua (fílmica) falada. Surpreendendo-se
com a autenticidade surgida dos
momentos em que deixava seus
personagens falarem livremente
para a câmera, Rouch decidiu
aprofundar seu método de fabulador. "Ao refletir sobre aquele
êxito eu me disse que podíamos ir
ainda mais longe na verdade, se
ao invés de fazer atores interpretarem um papel, pedíssemos às
pessoas que interpretassem seus
próprios papéis."
Nesse gesto de ir ao encontro
das pessoas e deixá-las fabularem
por conta própria, Rouch transcendia a etnologia para ganhar o
terreno da ficção, mas de uma ficção já inteiramente diversa daquela em que, volta e meia, os documentaristas clássicos recaíam.
Por mais que tenham recusado a
ficção, os documentaristas da era
clássica, como Robert Flaherty,
não conseguiram se afastar de um
certo ideal de verdade indissociável da ficção. O cinema-verdade
de Rouch só poderá se afirmar como "a verdade do cinema" (como
queria o etnólogo) na medida em
que tiver abolido, qualquer resquício desse antigo ideal de verdade do cinema clássico.
Se os documentários de Rouch
tendiam à ficção, suas ficções (algumas das mais belas que o cinema moderno nos deu a ver, como
o episódio de "Paris Visto Por...",
chamado "Gare du Nord") tendiam ao documentário. Entre um
e outro, Rouch pôde surpreender
não a verdade, mas a metamorfose do verdadeiro. Sua obra, multiforme e corajosa, heteróclita e
dialógica, permanecerá para sempre movente.
(TMM)
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