São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

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CINEMA

Em sua 56ª edição, júri da cerimônia alemã premia filmes de países que não conseguem boa projeção internacional

Festival de Berlim exclui Hollywood do mapa

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

A distribuição geográfica de Ursos que o júri do 56º Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, realizou, anunciada anteontem, excluiu do mapa do cinema os EUA com sua capital, Hollywood. Bósnia, Dinamarca, Irã, Inglaterra, Alemanha, China e Argentina é a rota marcada pelos premiados do júri presidido pela atriz inglesa Charlotte Rampling.
Possivelmente esteja aí um sinal de advertência para o presidente da Berlinale, Dieter Kosslick: especialmente nos últimos cinco anos, Berlim se tornou passagem obrigatória dos candidatos ao Oscar, que, em geral, já têm suficiente exposição na mídia.
Então, a opção do júri foi dar destaque a produções que nem sempre conseguem exibição suficiente internacionalmente e, às vezes, nem seu próprio país. "Espero, com esse prêmio, que meu filme seja visto ao menos no Irã e que a questão que ele apresenta seja debatida", disse o diretor iraniano Jafar Panahi, em entrevista logo após receber o Urso de Prata do grande prêmio do júri, por "Offside", dividido com a produção dinamarquesa "A Sopa".
Em "Offside", Panahi apresenta um grupo de garotas que, vestidas de homem, tentam entrar em um estádio de futebol, o que é proibido no Irã, criando uma fábula de como a dominação masculina se espalha por todas as facetas sociais.
O mesmo raciocínio foi apresenta pela diretora bósnia Jasmila Zbanic, ao agradecer o Urso de Ouro, prêmio mais importante do festival, para o filme "Grbavica": "Aproveito essa oportunidade para lembrar que a guerra terminou, mas os os criminosos de guerra até agora não foram capturados, e foram eles que organizaram os estupros coletivos".
"Grbavica" conta a história da adolescente Sara (Luna Mijovic), que cresceu ouvindo que seu pai havia morrido como herói, em Sarajevo, na Guerra da Bósnia, e acaba descobrindo, por acaso, que nasceu de um estupro, pois sua mãe foi violentada num campo de prisioneiros, o que ocorreu com dezenas de mulheres.
Sem dúvida, trata-se de uma questão forte e atual e foi isso que Rampling prometeu ao anunciar os premiados: "Optamos por premiar filmes que tratam questões importantes no mundo de hoje".
Entretanto, o que se constata é que a premiação do júri recaiu mais sobre a temática dos filmes do que sobre a própria cinematografia, e esse é um festival de cinema, no fim das contas. Por isso, ao evitar Hollywood, o júri cometeu injustiças, como críticos comentavam após a premiação.
O injustiçado mais comentado entre os críticos foi Robert Altman. Seu novo filme "A Prairie Home Companion", sobre um programa de rádio de mesmo nome, estrelado entre outros por Meryl Streep e Woody Harrelson, foi das poucas produções na mostra competitiva com uma cinematografia composta por uma linguagem particular, o que o octogenário Altman desenvolve há várias décadas.
De certa forma, priorizar conteúdo à forma tem a ver, por exemplo, com a própria seleção dos filmes brasileiros no festival. Tanto "As Meninas", de Sandra Werneck e Gisela Camara, quanto "Atos dos Homens", de Kiko Goifman, que estrearam em Berlim, são filmes com temática para agradar a estrangeiros: pobreza e violência, a imagem do Brasil no exterior. Mesmo assim, essa temática já está tão batida que os filmes foram praticamente ignorados pela imprensa local e nem receberam prêmios, e há vários paralelos ao festival.
Espera e merecida foi a premiação para Michael Winterbottom e Mat Whitecross, com o Urso de Prata de melhor direção, por "The Road to Guantánamo", filme sobre três jovens ingleses, descendentes de paquistaneses, presos durante dois anos por tropas norte-americanas em Guantánamo, Cuba. O filme não só trata de uma temática relevante como o faz misturando realidade e ficção de maneira inovadora. Possivelmente, só não ganhou porque Winterbottom já havia conquistado o Urso de Ouro, há três anos, com "Neste Mundo", mas, com isso, o júri deixou em segundo plano o melhor filme da Berlinale.


O jornalista Fabio Cypriano viajou a convite do evento


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