|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Em sua 56ª edição, júri da cerimônia alemã premia filmes de países que não conseguem boa projeção internacional
Festival de Berlim exclui Hollywood do mapa
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM
A distribuição geográfica de Ursos que o júri do 56º Festival Internacional de Cinema de Berlim,
a Berlinale, realizou, anunciada
anteontem, excluiu do mapa do
cinema os EUA com sua capital,
Hollywood. Bósnia, Dinamarca,
Irã, Inglaterra, Alemanha, China e
Argentina é a rota marcada pelos
premiados do júri presidido pela
atriz inglesa Charlotte Rampling.
Possivelmente esteja aí um sinal
de advertência para o presidente
da Berlinale, Dieter Kosslick: especialmente nos últimos cinco
anos, Berlim se tornou passagem
obrigatória dos candidatos ao Oscar, que, em geral, já têm suficiente exposição na mídia.
Então, a opção do júri foi dar
destaque a produções que nem
sempre conseguem exibição suficiente internacionalmente e, às
vezes, nem seu próprio país. "Espero, com esse prêmio, que meu
filme seja visto ao menos no Irã e
que a questão que ele apresenta
seja debatida", disse o diretor iraniano Jafar Panahi, em entrevista
logo após receber o Urso de Prata
do grande prêmio do júri, por
"Offside", dividido com a produção dinamarquesa "A Sopa".
Em "Offside", Panahi apresenta
um grupo de garotas que, vestidas
de homem, tentam entrar em um
estádio de futebol, o que é proibido no Irã, criando uma fábula de
como a dominação masculina se
espalha por todas as facetas sociais.
O mesmo raciocínio foi apresenta pela diretora bósnia Jasmila
Zbanic, ao agradecer o Urso de
Ouro, prêmio mais importante do
festival, para o filme "Grbavica":
"Aproveito essa oportunidade
para lembrar que a guerra terminou, mas os os criminosos de
guerra até agora não foram capturados, e foram eles que organizaram os estupros coletivos".
"Grbavica" conta a história da
adolescente Sara (Luna Mijovic),
que cresceu ouvindo que seu pai
havia morrido como herói, em
Sarajevo, na Guerra da Bósnia, e
acaba descobrindo, por acaso,
que nasceu de um estupro, pois
sua mãe foi violentada num campo de prisioneiros, o que ocorreu
com dezenas de mulheres.
Sem dúvida, trata-se de uma
questão forte e atual e foi isso que
Rampling prometeu ao anunciar
os premiados: "Optamos por premiar filmes que tratam questões
importantes no mundo de hoje".
Entretanto, o que se constata é
que a premiação do júri recaiu
mais sobre a temática dos filmes
do que sobre a própria cinematografia, e esse é um festival de cinema, no fim das contas. Por isso, ao
evitar Hollywood, o júri cometeu
injustiças, como críticos comentavam após a premiação.
O injustiçado mais comentado
entre os críticos foi Robert Altman. Seu novo filme "A Prairie
Home Companion", sobre um
programa de rádio de mesmo nome, estrelado entre outros por
Meryl Streep e Woody Harrelson,
foi das poucas produções na mostra competitiva com uma cinematografia composta por uma linguagem particular, o que o octogenário Altman desenvolve há várias décadas.
De certa forma, priorizar conteúdo à forma tem a ver, por
exemplo, com a própria seleção
dos filmes brasileiros no festival.
Tanto "As Meninas", de Sandra
Werneck e Gisela Camara, quanto
"Atos dos Homens", de Kiko
Goifman, que estrearam em Berlim, são filmes com temática para
agradar a estrangeiros: pobreza e
violência, a imagem do Brasil no
exterior. Mesmo assim, essa temática já está tão batida que os filmes foram praticamente ignorados pela imprensa local e nem receberam prêmios, e há vários paralelos ao festival.
Espera e merecida foi a premiação para Michael Winterbottom e
Mat Whitecross, com o Urso de
Prata de melhor direção, por "The
Road to Guantánamo", filme sobre três jovens ingleses, descendentes de paquistaneses, presos
durante dois anos por tropas norte-americanas em Guantánamo,
Cuba. O filme não só trata de uma
temática relevante como o faz
misturando realidade e ficção de
maneira inovadora. Possivelmente, só não ganhou porque Winterbottom já havia conquistado o
Urso de Ouro, há três anos, com
"Neste Mundo", mas, com isso, o
júri deixou em segundo plano o
melhor filme da Berlinale.
O jornalista Fabio Cypriano viajou a
convite do evento
Texto Anterior: Forma&Espaço: Inventar os problemas Próximo Texto: Ciclo analisa vida e obra de Capote Índice
|