São Paulo, quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ciclo resume o Japão no cinema

Mostra aberta hoje em SP faz um recorte da produção de grandes diretores do país desde os anos 30

Seleção inclui desde "Coral de Tóquio", dirigido por Yasujiro Ozu em 1931, ao recente "O Castelo Animado" (2004), de Hayao Miyazaki

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Das muitas e valiosas contribuições trazidas pelos japoneses ao Brasil, comemoradas neste centenário da imigração, uma das que os paulistanos evocam com mais nostalgia é a programação das hoje extintas salas de cinema do bairro da Liberdade. Por meio delas, várias gerações puderam assistir a filmes importantes que só depois foram descobertos e valorizados em outros países.
Um resumo desses tempos acontece a partir de hoje com o ciclo que reúne 20 filmes de 17 diretores japoneses no CCBB. Mais que o volume de títulos e de criadores, a seleção ganha peso por seu recorte histórico, que cobre desde o início dos anos 30 até a produção recente.
Outra de suas qualidades é não ter se limitado a um apanhado de obras-primas cuja exibição costuma ser periódica. Ao contrário, o ciclo traz mais os chamados filmes médios ou menores de grandes cineastas, o que evidencia a importância do cinema como revelador de profundas mutações históricas sofridas por um povo.
Cronologicamente, o primeiro título é de 1931. "Coral de Tóquio", de Yasujiro Ozu, traduz as dificuldades cotidianas de uma família de classe média que enfrenta o desemprego nos anos pré-aventura japonesa na Segunda Guerra. Do mesmo diretor, o ciclo traz o arrebatador "Era uma Vez em Tóquio", de 1953, uma obra sobre a velhice e o problema do lugar dos idosos numa sociedade em que a juventude começa a agregar a parte substancial dos valores.
Outros diretores canonizados do cinema japonês ganham apresentações de filmes menores e nem por isso sem importância. Em "A Luta Solitária" (1949), pode-se conhecer um Akira Kurosawa mais intimista do que o que se tornou célebre com seus filmes históricos. Em "A Música de Gion" (1953), a preocupação de Kenji Mizoguchi com o estatuto da mulher no Japão ganha mais uma vez um estudo implacável que toma como centro o modelo de submissão das gueixas. E "Nuvens Dispersas" (1967) marca a despedida do cinema do imenso Mikio Naruse com um derradeiro retrato de mulher.
O papel da mulher como representação simbólica das relações de poder é também um dos principais interesses do superestimado "A Ilha Nua" (1960), de Kaneto Shindo. Do mesmo diretor, o ciclo programou ainda "Onibaba, a Mulher Diaba" (1964), filme esteticamente mais impactante e cujo peso político ganha mais vigor com o tratamento alegórico que Shindo dá à história da mãe e da filha que matam samurais para lhes roubar as armaduras.
Já em "As Quatro Faces do Medo" e "Mulher de Areia" (ambos de 1964), dirigidos por Masaki Kobayashi e Hiroshi Teshigawara, respectivamente, o simbolismo ganha amplitude e é traduzido com recursos visuais assombrosos que remetem à ópera (o primeiro) e às artes plásticas (o segundo).
A tradição de um cinema rico em experiências visuais se prolonga no experimentalismo gráfico do veterano Seijun Suzuki em "Yumeji" (1991) e na delirante imaginação de Hayao Miyazaki em "O Castelo Animado" (2004).
O ciclo se completa com dois nomes fundamentais do cinema moderno, dentro e fora do Japão. "A Enguia" (1997) é um belo exemplo de como Shohei Imamura se interessou por reintegrar o homem às potências do instinto. Já "O Túmulo do Sol" (1960) e "Tabu" (2000) demonstram a capacidade aguda de Nagisa Oshima de registrar a desestruturação (social, no primeiro; mental, no segundo) como o efeito mais evidente das desmesuras do poder.


Texto Anterior: Marcelo Coelho: Conheça os seus deveres
Próximo Texto: Jacques Demy concilia beleza e prazer na Cinemateca
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.