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LIVROS
Crítica/ "O Caminho Para Wigan Pier"
Orwell faz duro retrato da pobreza
Livro é resultado do convívio de 2 meses do autor com os trabalhadores de mineração do norte da Inglaterra, em 1936
FRANCISCO ALAMBERT
ESPECIAL PARA A FOLHA
Raymond Raymond Williams foi quem melhor
entendeu George Orwell. Para ele, a literatura e as
ideias de Orwell tinham o profundo valor da sinceridade e
abrigavam uma incontável série de paradoxos.
Em "O Caminho Para Wigan
Pier", espécie singular de reportagem realista e manifesto
político, encontramos ambas
as coisas. Dividido em duas partes, começa por descrever, de
maneira direta e virulenta, as
condições de vida miseráveis
dos trabalhadores do norte da
Inglaterra à beira da Segunda
Guerra. Aqui, toda a força do
estilo sincero e materialista do
autor aparece, remetendo a
uma tradição que vai de Engels
e Zola a Dickens.
Ao mesmo tempo, sua peregrinação ao horror dos que vivem sob o capital vai se entrecortando por reflexões sobre
sua vida, o imperialismo britânico, o pesadelo de sua época de
aluno em escola de elite.
Na segunda parte, a elite inglesa e a classe média que lhe é
a pálida imagem são os alvos
principais, incluindo ai socialistas, liberais e comunistas.
É tão duro o ataque à classe
média quanto as ridicularizantes caricaturas dos "socialistas". Mas estas só se entendem
pela crítica direta à elite e aos
que escolhem aderir a seu universo opressivo ao invés de se
identificar com os desvalidos.
Os orwellianos de direita
tendem a destacar essas furiosas caricaturas dos socialistas
moderados e generalizá-las como retratos fidedignos de toda
a "esquerda", coisa que Orwell
não autoriza. Aliás, a mesma
operação é feita quando se lê "A
Revolução dos Bichos" apenas
como um retrato do stalinismo,
o que ele também é, ou, superficialmente (e com ar de magnânima inteligência postada, coisa que Orwell despreza), como
uma imagem de "todas as formas do totalitarismo", esquecendo de adicionar a ditadura
do capitalismo (do dinheiro como valor absoluto e da "naturalidade" da condição de riqueza
para uns e de miséria para a
maioria), que é o objeto de análise e denúncia de "O Caminho
Para Wigan Pier".
A critica de Orwell se dirige
aos socialistas moderados, os
intelectuais de tapinhas nas
costas da elite, que faziam o socialismo emperrar.
Para ele, a "moda" da época
(como na nossa época, aliás) de
dizer que as divisões de classe
estavam desaparecendo era um
infâmia, e é sobretudo contra
isso que ele despeja seu palavrório caudaloso.
Orwell tinha ojeriza tanto
dos comunistas sovietistas
quanto dos socialistas moderados, os "responsáveis" articuladores de consensos e comedimentos.
Para ele, que se colocou à esquerda do Partido Trabalhista,
o stalinismo já era autoritarismo, e os moderados não poderiam construir uma alternativa.
E pior: ambos abriam as portas
para o fascismo.
Convite à reflexão
""O Caminho Para Wigan
Pier" traz belas e terríveis fotos
da edição original, uma boa introdução de Richard Hoggart e
um ótimo posfácio do jornalista Mario Sergio Conti.
O leitor é convidado a refletir
sobre como o mundo grotesco
da miséria e do conformismo
da Inglaterra de ontem persiste
inteiro no Brasil de hoje.
FRANCISCO ALAMBERT é professor de história
social da arte e história contemporânea da USP.
O CAMINHO PARA WIGAN PIER
Autor: George Orwell
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Isa Mara Lando
Quanto: R$ 46 (272 págs.)
Avaliação: ótimo
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