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Cibelle no fim do mundo
Em "Las Vênus Resort Palace Hotel", álbum que chega às lojas europeias no mês que vem, a cantora interpreta personagem que sobreviveu ao armagedon
MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL
O mundo explodiu mesmo.
Mas alguns humanos conseguiram embarcar em espaçonaves
e escapar do estrondo. Marte ficou habitável e o bairro mais
disputado pelas famílias nobres está em Plutão.
A Terra sobrou aos miseráveis, aos estudantes e aos artistas -criaturas que não têm o
suficiente para bancar o alto
custo de vida em outro planeta.
Apesar de decadente -ou
exatamente por isso-, é na
Terra que fica o melhor entre
os botequins do universo. Dentro do único hotel que sobreviveu à hecatombe. A cerveja é
quente, mas ninguém reclama.
É nesse cenário que convivem os personagens das 14 canções de "Las Vênus Resort Palace Hotel", novo álbum da cantora paulistana Cibelle.
Terceiro da carreira da cantora, foi quase todo gravado no
estúdio do subsolo da casa londrina onde mora com cinco rapazes, todos ligados à música
ou às artes plásticas. Gravações
adicionais foram feitas em Berlim, Vancouver e no Brasil.
Entre os músicos daqui, estão Pupillo, da Nação Zumbi, e
Catatau, do Cidadão Instigado.
A produção foi feita a quatro
mãos por Cibelle e pelo canadense Damian Taylor, engenheiro de som de Björk.
Sonja Khalecallon
No bar de "Las Vênus Resort
Palace Hotel", todo mundo é
bem-vindo. Entre os tipos que
passam por ali estão o pedreiro
à procura da cachaça matinal,
clubbers virados da noite anterior, a bailarina gorda e burlesca, a prostituta gente fina, os
turistas americanos de sandália
havaiana atrás de caipirinha.
Quem costura as histórias é
Sonja Khalecallon, a protagonista (pronuncia-se Sônia Calêcalôn): "Ela é minha caricatura, é a Cibelle no volume 11 do
amplificador da guitarra, distorcida pelo excesso".
É baseada em uma Sônia
(com i) real, a guru do artista
plástico paulista Rick Castro,
que "trabalha o desapego",
aconselhando as pessoas a se
desfazer das próprias coisas,
mudar os móveis de lugar e
nunca se deixar cristalizar.
Se a figura real já parece extraordinária, não há limites para o voo que alcança o alterego
imaginado por Cibelle.
Além de cuidar do hotel, a
personagem da ficção tem uma
lojinha, onde vende os "produtos da Sonja para uma vida melhor". Pretende comercializar
todos eles nos programas da
Oprah e da Hebe. São:
Um, a "carteirinha de licença
poética", que permite ao portador falar o que quiser, cantar
em qualquer língua e sotaque
-inclusive em alguma que ainda não exista.
Dois, o "colírio para os olhos
frescos", que retira qualquer
bagagem emocional das coisas,
e faz com que elas possam ser
vistas como realmente são, sem
prejulgamentos. Três, a "loção
"anticético'", para eliminar
qualquer traço de ceticismo do
doente. E, por último...
"...tem o mais importante de
todos eles, que é o "botão do foda-se" -que também pode ser
chamado de "botão do abravana'", completa. "Ele salva qualquer ser humano das travas que
impedem de seguir adiante."
Foi sob essas regras que nasceram as novas canções autorais, escritas por Cibelle sozinha ou com parceiros, como
Damian Taylor, Josh Weller e
Sam Genders, todos integrantes de sua banda inglesa.
"Meu cérebro analítico só
entra no jogo quando o disco já
está 90% pronto. É assim com
qualquer coisa que faça. Analisar antes ou no meio do processo é contraprodutivo, bloqueia.
Quero imprimir parte do meu
inconsciente nas coisas."
Cibelle aprendeu a usar o tal
"botão que destrava" no final
dos anos 1990, quando ainda
morava aqui no Brasil, seguindo cartilha do produtor Suba,
com quem trabalhou.
A cantora conta que, àquela
altura, mais ninguém à sua volta entendia bem que raios de
música ela estava fazendo. "Era
um tempo em que, para as pessoas, rock era rock, groove era
groove, jazz era jazz", lembra.
"E, para mim, tudo era tudo. O
Suba também acreditava nisso.
E me ensinou que eu estava
certa. Ele chutou a porta. E eu
aprendi a chutar com ele."
O disco de agora, dez anos depois da morte de Suba, é outro
desses chutes. Desta vez, na canela da onda "cool" que dominou a atual cena de cantoras, na
música "sem fervor e sem catarse que muita gente à minha
volta, inclusive eu mesma, vinha fazendo".
"Sabe aqueles banheiros
"modernos", ultra-higienizados,
com piso, pia, privada e azulejos brancos? Pois é -estava tudo meio assim na música",
compara. "Chega de ser cool.
Pega o "minimal" e bota lá onde
o sol não brilha. Sou maximalista. Como tenho a carteirinha
de licença poética fornecida pela Sonja, posso ser tão ridícula e
estapafúrdia quanto eu quiser."
LAS VÊNUS RESORT
PALACE HOTEL
Artista: Cibelle
Lançamento: Crammed Discs (no mês
que vem na Europa) e ST2 (no segundo
semestre no Brasil)
Quanto: não definido
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