São Paulo, sábado, 20 de março de 2010

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Cibelle no fim do mundo

Em "Las Vênus Resort Palace Hotel", álbum que chega às lojas europeias no mês que vem, a cantora interpreta personagem que sobreviveu ao armagedon

MARCUS PRETO
DA REPORTAGEM LOCAL

O mundo explodiu mesmo. Mas alguns humanos conseguiram embarcar em espaçonaves e escapar do estrondo. Marte ficou habitável e o bairro mais disputado pelas famílias nobres está em Plutão.
A Terra sobrou aos miseráveis, aos estudantes e aos artistas -criaturas que não têm o suficiente para bancar o alto custo de vida em outro planeta.
Apesar de decadente -ou exatamente por isso-, é na Terra que fica o melhor entre os botequins do universo. Dentro do único hotel que sobreviveu à hecatombe. A cerveja é quente, mas ninguém reclama.
É nesse cenário que convivem os personagens das 14 canções de "Las Vênus Resort Palace Hotel", novo álbum da cantora paulistana Cibelle.
Terceiro da carreira da cantora, foi quase todo gravado no estúdio do subsolo da casa londrina onde mora com cinco rapazes, todos ligados à música ou às artes plásticas. Gravações adicionais foram feitas em Berlim, Vancouver e no Brasil. Entre os músicos daqui, estão Pupillo, da Nação Zumbi, e Catatau, do Cidadão Instigado.
A produção foi feita a quatro mãos por Cibelle e pelo canadense Damian Taylor, engenheiro de som de Björk.

Sonja Khalecallon
No bar de "Las Vênus Resort Palace Hotel", todo mundo é bem-vindo. Entre os tipos que passam por ali estão o pedreiro à procura da cachaça matinal, clubbers virados da noite anterior, a bailarina gorda e burlesca, a prostituta gente fina, os turistas americanos de sandália havaiana atrás de caipirinha.
Quem costura as histórias é Sonja Khalecallon, a protagonista (pronuncia-se Sônia Calêcalôn): "Ela é minha caricatura, é a Cibelle no volume 11 do amplificador da guitarra, distorcida pelo excesso".
É baseada em uma Sônia (com i) real, a guru do artista plástico paulista Rick Castro, que "trabalha o desapego", aconselhando as pessoas a se desfazer das próprias coisas, mudar os móveis de lugar e nunca se deixar cristalizar.
Se a figura real já parece extraordinária, não há limites para o voo que alcança o alterego imaginado por Cibelle.
Além de cuidar do hotel, a personagem da ficção tem uma lojinha, onde vende os "produtos da Sonja para uma vida melhor". Pretende comercializar todos eles nos programas da Oprah e da Hebe. São: Um, a "carteirinha de licença poética", que permite ao portador falar o que quiser, cantar em qualquer língua e sotaque -inclusive em alguma que ainda não exista.
Dois, o "colírio para os olhos frescos", que retira qualquer bagagem emocional das coisas, e faz com que elas possam ser vistas como realmente são, sem prejulgamentos. Três, a "loção "anticético'", para eliminar qualquer traço de ceticismo do doente. E, por último... "...tem o mais importante de todos eles, que é o "botão do foda-se" -que também pode ser chamado de "botão do abravana'", completa. "Ele salva qualquer ser humano das travas que impedem de seguir adiante."
Foi sob essas regras que nasceram as novas canções autorais, escritas por Cibelle sozinha ou com parceiros, como Damian Taylor, Josh Weller e Sam Genders, todos integrantes de sua banda inglesa.
"Meu cérebro analítico só entra no jogo quando o disco já está 90% pronto. É assim com qualquer coisa que faça. Analisar antes ou no meio do processo é contraprodutivo, bloqueia. Quero imprimir parte do meu inconsciente nas coisas."
Cibelle aprendeu a usar o tal "botão que destrava" no final dos anos 1990, quando ainda morava aqui no Brasil, seguindo cartilha do produtor Suba, com quem trabalhou.
A cantora conta que, àquela altura, mais ninguém à sua volta entendia bem que raios de música ela estava fazendo. "Era um tempo em que, para as pessoas, rock era rock, groove era groove, jazz era jazz", lembra. "E, para mim, tudo era tudo. O Suba também acreditava nisso.
E me ensinou que eu estava certa. Ele chutou a porta. E eu aprendi a chutar com ele."
O disco de agora, dez anos depois da morte de Suba, é outro desses chutes. Desta vez, na canela da onda "cool" que dominou a atual cena de cantoras, na música "sem fervor e sem catarse que muita gente à minha volta, inclusive eu mesma, vinha fazendo".
"Sabe aqueles banheiros "modernos", ultra-higienizados, com piso, pia, privada e azulejos brancos? Pois é -estava tudo meio assim na música", compara. "Chega de ser cool.
Pega o "minimal" e bota lá onde o sol não brilha. Sou maximalista. Como tenho a carteirinha de licença poética fornecida pela Sonja, posso ser tão ridícula e estapafúrdia quanto eu quiser."


LAS VÊNUS RESORT PALACE HOTEL
Artista:
Cibelle
Lançamento: Crammed Discs (no mês que vem na Europa) e ST2 (no segundo semestre no Brasil)
Quanto: não definido



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