São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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ERUDITO
Emissora de rádio transmite "Ernani", de Verdi, ópera estrelada pela soprano brasileira e regida por Previtali
Cultura FM resgata Constantina Araújo

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

Neste final de semana, a Rádio Cultura FM (103,3) ajuda a resgatar a memória de uma das cantoras brasileiras que mais sucesso fez no exterior: Constantina Araújo.
Domingo, dia 22, às 18h, a rádio transmite uma gravação de "Ernani", de Verdi, feita nos estúdios da RAI de Roma, em 1958. Regida por Fernando Previtali, a ópera conta com alguns dos nomes do canto lírico nos anos 50: o tenor Mario del Monaco, o baixo Cesare Siepi e o barítono Mario Sereni.
Falecida precocemente, aos 44 anos, Constantina Araújo apresentou-se regularmente como protagonista no Scala de Milão, o grande templo italiano da ópera, mas hoje está esquecida. Seu nome não consta em livros de referência como a "Enciclopédia da Música Brasileira" (Art Editora), nem da edição brasileira do "Dicionário Grove" (Jorge Zahar).
"Era uma mulher belíssima, morena e alta", recorda Raphael Cilento, diretor do Verdi Ópera Clube, que obteve, em Nova York, o registro de "Ernani" que será veiculado pela Cultura FM.
"A voz era muito boa", afirma Cilento, que a viu cantar a ópera "Cavalleria Rusticana", de Mascagni, com Beniamino Gigli, no Pacaembu. "Tinha um ligeiro vibrato, que não incomodava."
Agnes Ayres
Nascida em São Paulo, em 1922, Constantina Araújo estudou no Conservatório Dramático e Musical da capital paulista com o maestro Francesco Murino.
Estreou no Municipal de São Paulo em 1947, mas começou a ter problemas em 1950. Após uma briga com a soprano Agnes Ayres, foi demitida da Rádio Gazeta, onde participava do programa "Cortina Lírica", dirigido pelo maestro Armando Belardi.
"Depois daquilo, nem o Municipal de São Paulo nem o do Rio queriam saber dela", conta Renata Araújo, irmã da cantora. Em novembro do mesmo ano, resolveu tentar a sorte na Itália.
"Naquela época, mulher solteira não tinha filhos e não podia viajar sozinha nem até Santos", diz a irmã. "Ela foi para Milão sozinha, com a cara e a coragem."
A soprano fez sua estréia italiana 40 dias após desembarcar no país, cantando "Aida", de Verdi, em Modena. Em fevereiro de 1951 -dois meses mais tarde- estrearia na mesma ópera, no Scala de Milão, sob a regência do renomado Victor de Sabata, em montagem comemorativa aos 50 anos da morte de Verdi.
"De Sabata estava com problemas com a famosa Renata Tebaldi, que não queria cantar "Aida'", afirma Renata Araújo. "Ela foi até o Scala para ser ouvida pelo maestro e acabou sendo a escolhida."
A crítica da época, que chegou a chamá-la de "argentina" e "peruana", louvou a "soberba intérprete, dotada de uma voz belíssima, dosada com inteligência, segura na entonação".
Sua "Aida" foi ouvida ainda na Ópera de Paris, no São Carlos, de Lisboa, em Augsburg (Alemanha) e em Mônaco, além de teatros italianos como a Arena de Verona e o Carlo Felice, de Gênova.
Continuou cantando papéis principais no Scala, destacando-se "Un Ballo in Maschera", de Verdi, ao lado de um dos maiores tenores do século, o sueco Jussi Bjorling.
Após o "Ballo" do Scala, fez, com a mesma ópera, em 1952, sua tumultuada estréia no Covent Garden, em Londres. A soprano que cantaria no teatro britânico adoeceu. A casa procurou mais nove cantores até conseguir fechar com a brasileira, no dia da estréia.
Não houve tempo para ensaios: Araújo desembarcou em Londres uma hora antes do espetáculo, enjoada depois de 11 horas de vôo. Mas sua atuação encantou o público, cujos aplausos a fizeram voltar dez vezes para agradecer.
Mas faltava o reconhecimento no Brasil. "Ela era muito magoada com o que fizeram por aqui", diz Renata Araújo. "Nas comemorações do Quarto Centenário de São Paulo, preferiram trazer uma italiana, a Antonietta Stella, ao invés da Constantina, para cantar "Lo Schiavo", de Carlos Gomes".
A única apresentação brasileira de Araújo após o início de sua carreira internacional foi "Aida", no Municipal do Rio, em 1954. "Foi o maior cachê que ela já recebeu", recorda a irmã.
Em 1966, em plena atividade, veio ao Brasil para se operar de um fibroma (tumor benigno de tecido conjuntivo). "Ela queria fazer a cirurgia na Itália, mas nós sugerimos que ela viesse para cá, onde podíamos cuidar dela", diz a irmã.Nesse mesmo ano, solteira, acabou falecendo bruscamente, em São Paulo, no dia 4 de março, de embolia pulmonar.



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