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CRÍTICA
Ibsen proclama o poder do homem só
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
A última frase do médico Thomas Stockmann, em "O Inimigo
do Povo", ecoa nos ouvidos, na
saída do teatro, com um poder incontrolável. "O homem mais forte
é o que está mais só."
Não é a política, o conflito com a
maioria, "a unanimidade burra",
menos ainda o domínio da razão,
da verdade científica a enfrentar o
fanatismo grupal, todas mensagens também flanqueadas pela peça, o que faz de "O Inimigo do Povo" um texto tão potente no novo
final de século.
É a sedução do homem só, não
mais refém de idéias, verdades,
amigos ou grupos. É a imagem de,
quanto mais despojado, isolado,
maior o domínio do homem sobre
a própria existência.
Em tempo de exclusão crescente, ou de temor dela, o impacto da
afirmação da ação individual,
quanto mais despojada melhor, é
tão inebriante que chega a soar como um canto de sereia, falso, enganador.
Ele chama a erguer uma moral
individual, até um orgulho próprio, diante do qual tudo é pequeno, tudo cai. As pedras que atiram
contra a família do doutor Stockmann se tornam "cascalho".
O enredo: Stockmann descobriu
os poderes curativos das águas de
uma cidade e, com isso, trouxe
prosperidade. Mas ele descobre,
quando a peça começa, que as
águas se contaminaram. Busca
convencer seus concidadãos, mas
pouco a pouco eles se deixam fechar os ouvidos contra o médico.
Ele termina acusado de "inimigo
do povo", perseguido pelas ruas
com a mulher e a filha. Pensa em
fugir, mas acorda afinal para o que
proclama, inabalável, na última
frase da adaptação.
Antes, faz um dos discursos
mais furiosos da literatura contra
"a maioria", vale dizer, a democracia. Nele diz: "A única verdade
que interessa é a que foi descoberta dentro de cada um, a única revolução consequente é a do espírito."
No final, porém, quando afirma
o poder do homem só, ele vislumbra a intervenção do homem na
sociedade. Ele decide erguer uma
escola.
O texto de Ibsen, escrito há mais
de um século, adaptado e muito
cortado pelo diretor Domingos de
Oliveira, também dramaturgo, é
de longe a maior atração do espetáculo.
De resto, trata-se de uma montagem tradicional ao extremo da paciência. Há como que uma opção
por nada acrescer que venha a
provocar ruído e prejudicar a
transmissão do texto -embora
tão cortado.
Para uma peça que proclama a
individualidade, uma encenação
que a suprime, como se estivessem
todos contidos por algum freio.
Ou, pior, como se estivessem todos a espelhar, na peça, uma verdade absoluta -o que nem o próprio médico, o idealista "confuso"
Stockmann, indica ser possível.
Como escreveu um ensaísta brasileiro, sobre o Ibsen de "O Inimigo do Povo": "Ibsen é dramaturgo:
vê o direito de ambos os lados. E é
cético: já não acreditava na verdade absoluta."
Muito do freio maniqueísta se
deve aos cortes, mas também à
atuação uniforme, sem nuances,
do protagonista Paulo Betti.
Stockmann tem escorregadelas de
caráter, pequenas covardias e
grandes injustiças, que tornariam
o personagem ainda mais avassalador ao final, se melhor aproveitadas.
Também o irmão do médico,
que é seu maior opositor e o prefeito da cidade, Peter Stockmann,
pedia um desenho menos vilanesco de Antonio Grassi e da adaptação. Ele tem todas as razões do
mundo para agir como age -ele,
afinal, é a maioria.
Tanto o prefeito quanto o jornalista de Giuseppe Oristanio perdem com sua definição por traços
superficiais, este último saltando
de aliado a malvado sem que se
acompanhe bem por quê. A democracia não tem maior direito de
defesa, na montagem.
Peça: O Inimigo do Povo
Autor: Henrik Ibsen (1828-1906)
Quando: sex e sáb, às 21h; dom, às 18h
Onde: Teatro Sérgio Cardoso (r. Rui
Barbosa, 153, tel. 011/288-0136)
Quanto: R$ 15
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