São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

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Holandês pode adiar sonho brasileiro

France Presse
Duas estátuas gigantes do Oscar são descarregadas em frente ao Shrine Auditorium, em Los Angeles, onde a cerimônia de entrega dos prêmios acontece, na segunda, dia 23


AMIR LABAKI
de Nova York

Como há dois anos, é um drama holandês que promete adiar a vitória de uma produção brasileira na disputa do Oscar de melhor filme de língua não-inglesa.
"Caráter", do estreante Mike van Diem, é o favorito na categoria, concorrendo entre outros com o thriller político brasileiro "O Que É Isso, Companheiro?", dirigido por Bruno Barreto. Em 1996, outra produção do clã Barreto, "O Quatrilho", foi derrotado pelo holandês "A Excêntrica Família de Antonia", de Maureen Gorris.
"Caráter" obteve a melhor repercussão nas sessões para votantes do Oscar realizadas no último mês em Los Angeles e Nova York. Nada mais justo. Baseado em dois romances de Ferdinand Bordewijk, "Caráter" é um drama familiar gótico, sólido e poderoso.
Acompanha-se no começo do século, em Roterdã e cercanias, cerca de 30 anos das desventuras do aplicado filho bastardo de um sádico especulador imobiliário e uma abnegada empregada doméstica. Katadreuffe (Fedja van Huet) jamais chega a ver juntos os pais, Dreverhaven (Jan Decleir, soberbo) e Lorna (Tamar van den Dop). A gravidez denuncia a aventura sexual de uma noite.
A precoce ruptura vai torturar Dreverhaven pelo resto da vida. Lorna resiste a casar-se com ele, preferindo criar Katadreuffe sozinha. Dreverhaven fica obcecado. A Lorna, envia ofertas de casamento. Ao filho que tarda em conhecer, desafia inclementemente, testando-lhe a fibra e o caráter.
Narrado em flashback, seco e preciso, "Caráter" é uma obra de rara maturidade para um cineasta inexperiente como van Diem. O Oscar lhe faria agora justiça e consagraria um jovem realizador de talento -dois feitos raros nos 50 anos de prêmios nesta categoria.
Quer dizer que "Companheiro" está fora do páreo? Não é bem assim. Defeitos e qualidades à parte, os membros da Academia poderiam preferir o filme por dois motivos: é o esteticamente mais próximo da produção americana e o que trata de um tema mais vinculado à história dos EUA (o sequestro de um embaixador no Brasil sob o regime militar).
Dentre os indicados, "Companheiro" foi também o primeiro a entrar em cartaz nos EUA. Sua campanha de lançamento foi profissionalíssima e a repercussão crítica, de maneira geral, foi mais favorável lá que cá.
A equação toda complica-se quando, sabendo-se da tradicional predileção da Academia por filmes estrelados por crianças, constatamos que os outros três concorrentes apostam suas fichas exatamente no carisma infantil.
O alemão "Além do Silêncio" é covardia. Enfoca a formação de uma garota com dotes musicais que serve de elo de conexão entre o mundo e os dois pais surdos. É previsivelmente tragicômico, tem a profundidade de um telefilme, mas a estreante Caroline Link fez vibrar uma corda popular.
O segundo posto é ocupado pelo não menos convencional "Segredos do Coração", do espanhol Montxo Armendáriz, em que a Espanha franquista da década de 60 se reflete no cotidiano de dois garotos. Levou o prêmio europeu de Berlim-97 e o de público em Chicago-97. Parece mais que bom.
Por fim, Veneza-97 concedeu uma medalha cívica para o russo "O Ladrão", de Vladimir Mashkov. A criança do filme assiste a mãe envolver-se, em plena Segunda Guerra, com um galante gatuno que se faz passar por militar. Mashkov repete o registro melodramático de dois vitoriosos russos recentes ("Moscou Não Acredita em Lágrimas" e "Sol Enganador"). É a grande zebra.



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