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LITERATURA
Poeta concretista recebe, na quarta, o prêmio Octavio Paz no valor de US$ 100 mil na cidade do México
Com prêmio, Haroldo de Campos volta à Web
BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
Haroldo de Campos recebe, na
quarta-feira, na cidade do México,
do presidente Ernesto Zedillo, o
prêmio Octavio Paz, de poesia e
ensaio. O prêmio, promovido pela
Fundação Octavio Paz, uma entidade privada, é de US$ 100 mil.
"Vou poder voltar a comprar livros na Internet! Fiquei viciado. E
agora eu nem estava entrando
mais, para evitar a tentação", diz o
poeta e ensaísta, rindo.
É a segunda vez que o prêmio é
outorgado. O poeta chileno Gonzalo Rojas foi o primeiro a recebê-lo. Campos faz 70 anos neste ano.
O prêmio é o reconhecimento de
quase 50 anos de sua obra de poeta,
ensaísta e tradutor.
Além do discurso em espanhol e
da leitura de poemas de seu último
livro, "Crisantempo" (editora
Perspectiva, 1998), o poeta dará
uma aula magna na Universidade
Autônoma do México, sobre "literatura universal e as chamadas literaturas terceiro-mundistas".
Entre os projetos em preparação
estão a tradução da "Ilíada" (Campos está no 15º canto), o lançamento de uma nova coletânea de poemas, a publicação da tradução
completa do "Cântico dos Cânticos" e um ensaio sobre o barroco.
A tradução comentada do 2º canto
da "Ilíada", numa edição conjunta
com Trajano Vieira, deve sair em
abril pela Sette Letras, com o título
"Os Nomes e os Navios".
Folha - Existe alguma coisa hoje
em poesia ou nas artes que provoque no senhor o mesmo efeito da
descoberta de Ezra Pound, John
Cage, e.e.cummings?
Haroldo de Campos - A poesia
universal passa por um momento
que não oferece personalidades da
força do Pound, de um Ponge, de
um João Cabral. Na Alemanha de
hoje, por exemplo, um dos melhores é o Hans Magnus Enzensberger, um poeta de linhagem brechtiana. Mas entre ele e o Paul Celan
ainda prefiro o Celan. Nada nos
Estados Unidos substitui William
Carlos Williams, Pound, Elliot,
Wallace Stevens.
Às vezes, surge uma geração tão
forte que é muito difícil encontrar
depois um poeta à altura. É o caso
de Portugal com a geração de Fernando Pessoa e Mario Sá Carneiro.
Na Itália, há o Edoardo Sanguineti.
Mas houve uma época em que a
gente tinha certezas. Nunca tive
dúvidas de que o maior poeta italiano era o Ungaretti. Hoje não dá
para afirmar nada com tanta certeza.
Folha - Em "Crisantempo" há um
poema dedicado ao pintor Marco
Giannotti, um outro escrito à maneira dos Titãs. O que o sr. vê nessa
produção cultural jovem?
Campos - Na chamada fase heróica da poesia concreta, nos anos 60,
uma das bases do nosso trabalho
era tirar a poesia do gueto das belas-letras e mostrar que ela é uma
arte em relação com a música, com
a pintura, com a arquitetura, com
problemas de linguagem, filosóficos. Isso nos ligou desde cedo a
músicos e pintores. Eu era muito
amigo da Mira Schendel.
Entre os jovens, ela gostava do
Giannotti e do Nuno Ramos. Passei a acompanhar as exposições
deles. Sempre fui próximo de músicos, do Arrigo, do Tom Zé, do
Walter Franco. Gosto muito do
Arnaldo Antunes e do trabalho dele de poeta. Uma vez cheguei a ir de
ônibus com os Titãs a um show em
Taubaté.
Folha - Nesse livro também há
um poema sobre o Botero. O sr. é
tão rigoroso nas suas escolhas literárias (Cummings, Pound, Joyce) e
de repente aparece com o Botero?
Campos - Ele conseguiu iconizar
o que há de lamentável nas Américas, o ditador, a igreja reacionária,
e fez isso com uma linguagem figurada, a obesidade, a desproporção
das formas, que é uma crítica feroz
àqueles estados sociais de onde
vem a opressão. Guardadas as
proporções, ele tem uma visão goyesca da realidade. Ele faz com a
América Latina um pouco o que o
George Grosz fez na Alemanha do
expressionismo.
Folha - É curioso que, no poema
"Meninos Eu Vi", o sr. insinue que
a poesia não é para jovens. Por
quê?
Campos - Uma poesia como a
que eu faço realmente não é muito
para jovens, porque é uma poesia
de alguém que passou por muitas
coisas e entrou numa fase mais filosófica. Nunca entendi por que o
Oswald de Andrade no final da vida acabou com aquela paixão pela
filosofia. É uma paixão da idade.
Você chega a uma fase reflexiva.
Hoje, uma das minhas leituras preferidas é filosofia. Há a marca dessas leituras na minha poesia. Há
um traço benjaminiano em "O Anjo Esquerdo da História", por
exemplo, que está em "Crisantempo". Mas como é que você vai julgar um fenômeno como o Rimbaud, que começou a escrever com
15 anos? Ele quebra qualquer tipo
de classificação. É uma mariposa
que se combusta no fogo.
Folha - Também nesse livro há
poemas políticos, engajados, como o dos sem-terra. Houve outros,
sobre o Lula e o PT, por exemplo,
que o sr. publicou na Folha.
Campos - Faço uma divisão em
relação à poesia política. Existe
uma poesia de agitação, agit-prop.
Como os cartazes que o Maiakóvski fazia, ela toma a dianteira sobre
a função estética. É como um jingle
de propaganda. Fiz para o Lula, fiz
para a candidatura do Suplicy e para a candidatura da Erundina.
Sempre fiz esse tipo de poemas a
pedido. Não sou político; sou poeta e essa é a minha contribuição como cidadão. Agora, o poema político, como o dos sem-terra, o "Refrão à Maneira de Brecht", o que fiz
posteriormente sobre o neo-liberalismo terceiro-mundista, não
envolve essa dimensão pragmática. São poemas de reflexão, de testemunho de uma realidade.
No dos sem-terra, não fiz concessão nenhuma. É o contrário do
agit-prop. Nesses poemas eu sou
testemunha do que me fere. Há
coisas do neo-capitalismo que são
inadmissíveis. O mundo está dividido em pessoas economicamente
viáveis e pessoas não-viáveis. Estas vão para o lixo, e o resto fica
passeando de Mercedes-Benz.
Não tenho mais saco.
Folha - Só que no "Refrão à Maneira de Brecht" o sr. diz que cansou de ser do contra.
Campos - Eu queria ser a favor,
mas não dá. Por exemplo: Cuba.
Tudo bem, tem a coisa social, alfabetização, houve uma distribuição
da riqueza, realmente em 59 aquilo foi uma paixão, mas Cuba é uma
ditadura, onde os escritores são
exilados, onde os homossexuais
são perseguidos. Como eu posso
aceitar uma coisa dessas?
Folha - Como é que o sr. explica
escritores como o Saramago e o
Chico Buarque, pessoas que têm
acesso à informação, defenderem
Cuba de uma forma tão enfática?
Campos - Às vezes, é uma questão de paixão. Uma paixão muito
grande, eu não sei. Não quero julgar os outros. A minha atitude é
essa. É verdade que os Estados
Unidos fazem um bloqueio que eu
acho imoral. Eles fizeram grandes
erros políticos em relação a Cuba.
Não souberam lidar com o problema. Mas não posso ser a favor
de um regime em que a imprensa
não seja livre, em que haja escritores exilados. Por que o Cabrera Infante está exilado? Porque faz críticasao regime cubano? E daí?
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