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CRÍTICA
A beleza americana está na produção
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Se não tivesse outro mérito,
"Magnólia" teria a virtude de demonstrar a fraqueza do superestimado "Beleza Americana".
O campo referencial dos dois
filmes é aproximadamente o mesmo: vida e morte de um grupo de
pessoas em uma comunidade específica dos Estados Unidos. No
caso de "Magnólia", os personagens vivem em um bairro de Los
Angeles, em torno de uma rua
com esse nome.
É um grupo maior que o de "Beleza Americana". Ali há dois homens em estado terminal (o produtor de TV Jason Robards e o
apresentador Philip Baker Hall),
um gênio mirim (Jeremy Blackman) e o pai que o explora, um
ex-gênio mirim, hoje frustrado
(William H. Macy).
Há ainda o filho que o produtor
de TV abandonou na infância,
hoje um bem-sucedido machista
profissional (Tom Cruise), a filha
drogada do apresentador de TV
(Melora Waters), a mulher oportunista do produtor (Julianne
Moore), um policial, um enfermeiro.
Como em "Beleza Americana",
existe uma sociedade doente, corrompida pelo dinheiro, pela mentira ou pela necessidade patológica de triunfo.
No entanto, estamos em dois
universos diferentes, para não dizer opostos. Em "Beleza Americana", o sentido é como que mastigado para o espectador. Os personagens não têm outra espessura
além daquela que lhes confere o
roteiro.
Pode-se dizer que o sentido está
dado antes mesmo que o filme
bata na tela. E o filme não é, a rigor, mais do que a demonstração
das idéias que seus realizadores
têm sobre as coisas.
Em "Magnólia", ao contrário,
cada personagem permanece encerrado em seu mistério. Cada
uma das histórias que se desenvolvem paralelamente comporta
lapsos, ausências, pontos negros
-algo que não compreendemos
no momento e não compreenderemos nunca.
Como em seu filme anterior,
"Boogie Nights", o diretor-roteirista Paul Thomas Anderson tem
seus espectadores na conta de testemunhas, mas nunca de cúmplices. Ele não bajula desavergonhadamente a boa consciência do espectador esclarecido.
Longe disso. Ali onde os personagens de "Beleza Americana"
são de uma constrangedora evidência, os de "Magnólia" são como hieróglifos. Não se deixam decifrar facilmente, e talvez seja o
caso de dizer que não se deixam
decifrar de forma alguma, pois
não se limitam a estar encerrados
em si mesmos. Mais do que isso,
cada um de seus momentos constitui um em si tão forte que se comunica dificilmente com os outros instantes que eles vivem.
A estrutura do filme, com várias
histórias paralelas, com certeza
ajuda a fomentar esse mistério
dos personagens, embora não o
explique plenamente.
A própria psicologia seria uma
chave enganosa. Sabemos, por
exemplo, que o produtor Earl
Partridge (Robards) deixou a mulher e o filho no passado.
Saberemos, em dado momento,
que ela foi o único amor de sua vida. Mas nunca ficaremos sabendo
por que nunca se dignou a ao menos telefonar-lhe, quando ela estava à morte.
Certamente, a psicologia ou a
sociologia podem ser convocadas
a explicar uma ou outra coisa.
Mas, quando Tom Cruise está
diante de um auditório, fazendo
sua performance machista, não é
isso que importa, e sim a supina
verdade que transpira de seu personagem -ali está um modo de
viver, de experimentar, de estar
entre as coisas que não é melhor
ou pior do que os outros.
Podemos pensar bem ou mal a
respeito dele, pouco importa: a
arte de Anderson consiste em
criar tão intensamente e com tanta realidade a existência desse
personagem que tanto as explicações como nossa opinião a respeito dele de algum modo tornam-se
supérfluas.
O mesmo se pode dizer do rosto
de Jason Robards, em permanente sofrimento não só físico como
mental, não só morrendo como
tentando acertar as contas com a
vida.
O mesmo se pode dizer dos demais personagens e das peripécias que lhes é dado viver.
"Magnólia" é um filme excepcional, que em vários momentos
lembra Ingmar Bergman, o melhor Bergman, não porque lhe copie certos tiques -como Woody
Allen em tantas ocasiões-, mas
porque sabe o que é um rosto e o
que encerra de misterioso e intangível, ao mesmo tempo em que
sabe transmitir isso ao espectador.
No mais, este filme de Paul Thomas Anderson confirma-o como
uma das raras revelações do cinema americano nos anos 90.
Uma grande revelação, pois parece que estamos vendo surgir alguém do estofo de um Martin
Scorsese, de um Clint Eastwood,
de um Coppola.
Isto é, não só um cineasta muito
talentoso, mas pouco disposto a
seguir o rebanho hollywoodiano e
perder-se nos jogos inconsequentes e nas concessões.
Um autor difícil, até certo ponto, mas cuja aridez é sinônimo de
uma integridade inabalável. Agora é rezar para que continue assim.
Avaliação:
Filme: Magnólia (Magnolia)
Diretor: Paul Thomas Anderson
Produção: EUA, 2000
Com: Tom Cruise, Juliane Moore, William H. Macy
Quando: a partir de hoje no Cinearte 1, Lumiére 1, Pátio Higienópolis 4, Iguatemi 1, Interlar Aricanduva 11 e circuito
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