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"OS INCOMPREENDIDOS"
Filme é clássico moderno com pertinência certeira
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O nome nouvelle vague (onda
nova) não veio do cinema,
mas do jornalismo, e designava a
rápida mudança de costumes que
se esboçava na França na segunda
metade dos anos 50.
O que o cinema fez foi, de certa
forma, cristalizar essa onda jovem, que apontava para uma
oposição clara entre o mundo dos
adultos e o dos jovens.
Nesse sentido, "Os Incompreendidos" talvez seja o filme
que melhor representa a primeira
fase da nouvelle vague.
Em primeiro lugar, porque
marcava a estréia no longa-metragem de François Truffaut, o
mais polêmico dos jovens críticos
franceses da época, que desde o
início da década invectivavam o
cinema do realismo psicológico
que, segundo eles, representava o
triunfo acabado do academismo.
Em segundo lugar, porque esse
filme rompeu a barreira da "classe
cinematográfica" francesa para
ser o primeiro filme da nova corrente a representar a França no
Festival de Cannes (o que na época era bem importante).
Por fim, porque o filme de Truffaut tratava justamente do conflito entre pais e filhos, alunos e professores, instituições e luta pela liberdade. Tratar é uma palavra leve. Na verdade, Truffaut promoveu um terrível acerto de contas
com sua infância, já que seu trabalho é em larga medida autobiográfico. Essa infância é digna de
romance: a fraqueza do pai, o desinteresse da mãe, a incompreensão dos mestres, a paixão pelo cinema, as grandes amizades, o flerte com a marginalidade. Tudo isso que está no filme aconteceu.
Mas não é o fato de ter acontecido que lhe confere um interesse
que permanece atual até hoje
(aliás, é um desses filmes que podem ser recomendados com entusiasmo a qualquer adolescente).
Antes disso, é a absoluta ausência de rancor em relação a fatos
doloridos. Truffaut vinha embuído do gosto pelos clássicos do cinema americano e não estava disposto a dar vazão a nenhuma profundidade, a nenhum estudo sobre a dor de crescer ou sobre o
que há de inóspito no mundo.
Truffaut evita a ênfase na dor,
para depositá-la, ao invés, no
imenso humor que certas situações dramáticas propiciam (por
exemplo: a sequência em que o retrato de Balzac pega fogo).
Humor não significa que Truffaut quisesse fazer piada disso.
Trata-se de uma maneira de olhar
as coisas pela ótica do que acontece e não de elucubrações intelectualizantes. Portanto, de observar
que em cada fato, por mais dramático, existe humor.
Truffaut aprendera com o cinema americano, assim como o coloquialismo, a necessidade de observar o mundo sem a mediação
de um aparato intelectual. Antes
de ser bom ou mau, o mundo é o
que é -postulado realista que cada um dos fundadores da nouvelle vague desenvolveria à sua maneira e que não vinha apenas dos
americanos, mas, sobretudo, da
teoria realista de André Bazin.
É preciso acentuar esse aspecto
porque hoje Truffaut tornou-se
um nome de referência associado
com frequência a um cinema
complacente ou omisso em relação justamente à realidade (sua
mais recente discípula é Sandra
Werneck, de "Amores Possíveis",
o que beira o risível).
O cinema de Truffaut foi comercial até o fim de sua vida -no
sentido mais elevado dessa palavra. Seu desejo de falar a um público amplo nunca se confundiu
com a necessidade de agradar o
espectador.
"Os Incompreendidos" é um filme inteiramente bem-sucedido.
Um clássico moderno, que fala da
infância e da juventude com uma
pertinência certeira.
Os Incompreendidos
Les Quatre Cents Coups
Direção: François Truffaut
Produção: França, 1959
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc
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