São Paulo, sábado, 20 de abril de 2002

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"Não me arrependo do que digo"

DA REDAÇÃO

Há quatro anos, Michel Houellebecq foi chamado de reacionário com o também polêmico "Partículas Elementares" (Sulina, 99), em que já demonstrava seu apreço pelo positivismo de Augusto Comte e atacava os mitos criados por maio de 68.
A controvérsia que parecia acompanhá-lo até então hoje o assusta. "Achei que as pessoas se acostumariam comigo." Leia os principais trechos da entrevista que Houellebecq concedeu à Folha, da Irlanda, onde vive. (SC)

Folha - A descrição que o personagem Jean-Yves faz da cidade de São Paulo corresponde às suas impressões? Você já esteve aqui?
Michel Houellebecq -
Não, eu não conheço São Paulo, estive aí só por algumas horas, mas me fizeram uma descrição bastante intensa (exata ou não, mas intensa). Acho sempre mais fácil utilizar impressões de uma terceira pessoa do que as minhas próprias.

Folha - O protagonista chama-se Michel e a narrativa tem um tom bastante confessional. "Plataforma" é um livro autobiográfico?
Houellebecq -
Estive nos lugares em que a ação se passa, na Tailândia e em Cuba, para escrever. Fiz apontamentos sobre minhas impressões e, principalmente, muitas fotos. Queria que o livro tivesse um grande realismo fotográfico e acho que consegui. Também pesquisei muito sobre a economia da indústria do turismo. Mas a parte autobiográfica mesmo é muito tênue.

Folha - A intenção de seu livro é mostrar como a maneira como a sociedade ocidental lida mal com sua sexualidade fez surgir a indústria do turismo sexual?
Houellebecq -
Sim, mas não se pode menosprezar a dimensão capitalista. Por trás da empreitada realizada por Jean-Yves e Valérie para salvar os resorts, está a idéia de criar uma "situação de troca" entre a prostituição do Terceiro Mundo e o dinheiro ocidental. Este é o motor da narração.

Folha - Você esperava uma reação tão forte? Arrepende-se do que disse sobre o islã?
Houellebecq -
Como eu já havia causado bastante polêmica da última vez, pensei que agora as coisas iriam se acalmar, pois as pessoas terminam por se habituar a você. Minha natureza não é de me arrepender daquilo que fiz.

Folha - Além da controvérsia política, seu livro também causou uma reação muito forte por descrever cenas de sexo explícito. Você esperava uma condenação moral ?
Houellebecq -
Sim, eu sabia que seria tratado como um homem desagradável e incômodo, obcecado por sexo pouco convencional, mas consigo me esquecer disso ao escrever. Só o que faço é mergulhar na realidade, que para mim significa ver que a sexualidade é inteiramente agradável, em todos os casos, e isso não tem nada a ver com a amoralidade.


PLATAFORMA. De: Michel Houellebecq. Lançamento: Record (Rio, 2002). Tradução: Paulina Wacht e Ari Roitman. Quanto: R$ 30 (383 págs).



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