São Paulo, sábado, 20 de abril de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"WALTER LIMA JÚNIOR: VIVER CINEMA"

Escrita pelo jornalista Carlos Alberto Mattos, biografia é lançada hoje em festival

Obra desvela autor do "cinema novo lírico"

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Um dos mais importantes cineastas brasileiros dos últimos 40 anos, autor de filmes como "Menino de Engenho", "A Lira do Delírio", "Inocência" e "A Ostra e o Vento", ganha enfim um livro à altura da sua obra.
"Walter Lima Júnior: Viver Cinema", do jornalista e crítico Carlos Alberto Mattos, será lançado hoje, às 20h, no Cinesesc, em SP, como parte da programação do Festival É Tudo Verdade.
Além de dissecar cada filme de Lima Jr., desde a sua gênese até a recepção do público e da crítica, o pesquisador narra com talento literário os momentos mais dramáticos da vida do diretor: a perda trágica de duas mulheres, a prisão pelo regime militar, o desemprego que o levou a publicar um anúncio no jornal em 1991.
Walter Lima Jr. participou do cinema novo e flertou com o tropicalismo, mas sempre foi um independente radical.
Em sua biografia pessoal e artística, um lugar crucial cabe aos irmãos Glauber e Anecy Rocha. Casado com a atriz Anecy, Walter tinha em Glauber seu maior amigo e interlocutor.
Quando Anecy morreu, ao cair acidentalmente no poço de um elevador, Glauber acusou o cunhado de tê-la assassinado. Na entrevista a seguir, o cineasta Walter Lima Jr. fala sobre essa e outras rupturas.

Folha - O que achou do livro de Carlos Alberto Mattos?
Walter Lima Jr. -
É um livro de um pesquisador sério e criterioso. Eu me surpreendi com a quantidade de informações que ele conseguiu sobre a minha vida. Às vezes me incomoda ver alguns aspectos muito íntimos serem expostos, mas não fiz, nem faria, nenhuma restrição a isso. Compreendi que o objetivo central dele, no final das contas, era o cinema, analisar os filmes.

Folha - Concorda com a idéia de Glauber de que você fazia parte do "cinema novo lírico", e ele, do "cinema novo épico"?
Lima Jr. -
Não sei. Para mim e para muita gente, o cinema novo teve uma importância extraordinária, em primeiro lugar, por democratizar as possibilidades de fazer cinema, até então encerradas em estruturas inacessíveis.
Em segundo lugar, o cinema novo se opôs à linguagem dominante do cinema. Trouxe para a gente um olhar crítico, não só do ponto de vista político, mas também estético. Nossa preocupação era buscar uma épica brasileira.
Há os que fizeram uma média entre a compreensão disso e o reconhecimento do aspecto mágico do cinema. Falo de mim, do Joaquim Pedro. Acho que procuramos reter esse encanto e essa magia de outras maneiras que não a do cinema hollywoodiano. Pelo espírito, pelo estilo, pelo olhar.

Folha - Caetano Veloso diz que você era o mais antiglauberiano dos cinemanovistas.
Lima Jr. -
Não vejo a coisa assim. Glauber teve uma importância enorme para mim, de todos os ângulos: sobre o fazer cinematográfico, sobre o Brasil.
Acho que também contribuí para a visão dele, desde minha participação como assistente em "Deus e o Diabo na Terra do Sol". Comigo ele tinha conversas que não tinha com mais ninguém: sobre atrizes americanas, sobre canções de filmes. Coisas de fã, relaxadas, distantes da imagem veemente que ficou dele.

Folha - Como você vê hoje a ruptura entre vocês?
Lima Jr. -
Com a morte de Anecy, Glauber, que já não estava legal, se tornou uma pessoa descontrolada, inacessível. O drama de quem estava perto era como poder ajudá-lo. Eu me vi muitas vezes profundamente ferido quando, a pretexto de se solidarizar comigo, vinham me falar mal de Glauber. Eu não queria isso. Eu o amava profundamente.
Por autodefesa, Glauber tentou transformar a tragédia em drama passional. Ele perdeu uma oportunidade de crescimento. A tragédia mostra como você é pequeno, mas te dá a chance do "insight", do esclarecimento.

Folha - Sua filmografia alterna filmes de estrutura livre e experimental, como "Brasil 2000" e "A Lira do Delírio", a outros mais clássicos, como "Menino de Engenho" e "Inocência". São faces distintas da sua sensibilidade?
Lima Jr. -
Cada filme é uma entidade, tem uma alma. Dentro dos limites e das possibilidades de cada produção, eu tento sempre me reinventar a cada filme.
Na "Lira", eu me reinventei como pessoa, foi um mergulho radical. Já "Chico Rei" foi uma encomenda para série de TV que acabou virando longa-metragem. É um exercício de estilo, em que o narrativo e o inventivo se somam. "A Ostra e o Vento" também soma o clássico e o experimental.
"Inocência", por sua vez, foi uma bandeira que eu peguei de Lima Barreto e de Humberto Mauro. Era uma narrativa clássica à qual eu não podia fugir e a oportunidade para demonstrar a mim mesmo meu conhecimento dessas formas narrativas.


WALTER LIMA JÚNIOR: VIVER CINEMA. De: Carlos Alberto Mattos. Editora: Casa da Palavra/Petrobras. Quanto: R$ 40 (432 págs.). Lançamento: hoje, às 20h, no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, SP, tel. 0/ xx/11/3082-0213).



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