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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Luiz Fernando Malheiro conduz apresentação com orquestra e cantores do país em Manaus
Montagem abrasileira ópera de Wagner
IRINEU FRANCO PERPETUO
ENVIADO ESPECIAL A MANAUS
Boa notícia: dá para fazer
Wagner no Brasil. Melhor
ainda: com orquestra e cantores
nacionais. A montagem da ópera
"A Valquíria", levada anteontem
à noite no 6º Festival Amazonas
de Ópera, mostra ser possível fazer isso tudo sem abrir mão de
qualidade.
O segredo é ter um teatro como
o Amazonas, charmoso e pequeno, no qual a voz "corre" com facilidade. E, principalmente, um
maestro como Luiz Fernando
Malheiro, um especialista na
montagem de elencos, profundo
conhecedor das possibilidades
vocais de cada cantor nacional.
Tais qualidades, aliadas à fluência na leitura e escolhas de tempo
e dinâmica que sempre favorecem os cantores, fazem de Malheiro, já há algum tempo, o melhor regente brasileiro de ópera.
Logo no primeiro ato viu-se que
as apostas do maestro foram
compensadoras. Melhor surpresa
da noite, o tenor carioca Eduardo
Álvares revelou-se um Siegmund
de classe internacional, com a voz
corretamente central e abaritonada, timbre brilhante, caracterização viril e inteligência musical.
Teve parceiros à altura no sólido
Hunding de Pepes do Valle, um
baixo em ascensão, e, principalmente, na intensa Sieglinde de
Laura de Souza, de dicção alemã
absolutamente impecável, conseguindo projetar por todo o teatro
até mesmo as mais surdas e difíceis consoantes do idioma.
O segundo ato é o ato de Wotan,
um dos papéis mais longos e difíceis de todo o repertório. Encarregado da empreitada, Lício Bruno,
um cantor cuja região central é
superior às zonas grave e aguda,
mostrou inteligência para, sem
perder a intensidade dramática,
dosar as forças e chegar inteiro ao
final do espetáculo, ainda para escapar de situações de comicidade
involuntária, como o final do segundo ato, em que sua capa ficou
enroscada no corpo caído no
chão de Álvares. Wotan tem uma
mulher ciumenta, Fricka, retratada pela Celine Imbert de sempre,
vocalmente esplêndida e cenicamente selvagem, um personagem
de verismo italiano (Santuzza em
roupagem wagneriana).
Como todo deus mitológico,
Wotan é chegado a uma pulada
de cerca e tem uma filha fora do
casamento, a valquíria Brünnhilde, cantada pela única importada
do elenco, a americana Maria
Russo, robusta na acepção ampla
da palavra, de voz possante e dicção cristalina, com atuação uniforme até o final do terceiro ato.
O britânico Aidan Lang construiu um palco que era um pentágono inclinado, com as assimetrias que são sua assinatura. Wotan veste branco, e as valquírias,
embora de elmo, trocam espada e
escudo por uma coreografia que
sugere os super-heróis de HQs.
No fim, uma concepção limpa e
comportada, embora a presença
de uma maquete da utópica Berlim nazista de Albert Speer no segundo ato possa incomodar os
mais suscetíveis.
Uma palavra, ainda, para a
Amazonas Filarmônica, exemplo
claro de que, ao contrário do que
se diz por aí, o Brasil não tem uma
só orquestra e de que é possível
conseguir altos padrões artísticos
sem recorrer a autoritarismo e intimidação. Embora tenha havido
alguns problemas de afinação e
ataques ao longo da récita, a filarmônica jamais encobriu os cantores, mostrou uma sonoridade bonita, especialmente nas cordas, e
soube ser protagonista à altura do
drama musical, tocando um repertório ao qual não está (ainda)
acostumada, mas no qual pode virar referência nacional.
Avaliação:
O jornalista Irineu Franco Perpetuo
viajou a Manaus a convite da organização do festival
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