São Paulo, sábado, 20 de abril de 2002

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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA

Luiz Fernando Malheiro conduz apresentação com orquestra e cantores do país em Manaus

Montagem abrasileira ópera de Wagner

IRINEU FRANCO PERPETUO
ENVIADO ESPECIAL A MANAUS

Boa notícia: dá para fazer Wagner no Brasil. Melhor ainda: com orquestra e cantores nacionais. A montagem da ópera "A Valquíria", levada anteontem à noite no 6º Festival Amazonas de Ópera, mostra ser possível fazer isso tudo sem abrir mão de qualidade.
O segredo é ter um teatro como o Amazonas, charmoso e pequeno, no qual a voz "corre" com facilidade. E, principalmente, um maestro como Luiz Fernando Malheiro, um especialista na montagem de elencos, profundo conhecedor das possibilidades vocais de cada cantor nacional.
Tais qualidades, aliadas à fluência na leitura e escolhas de tempo e dinâmica que sempre favorecem os cantores, fazem de Malheiro, já há algum tempo, o melhor regente brasileiro de ópera.
Logo no primeiro ato viu-se que as apostas do maestro foram compensadoras. Melhor surpresa da noite, o tenor carioca Eduardo Álvares revelou-se um Siegmund de classe internacional, com a voz corretamente central e abaritonada, timbre brilhante, caracterização viril e inteligência musical.
Teve parceiros à altura no sólido Hunding de Pepes do Valle, um baixo em ascensão, e, principalmente, na intensa Sieglinde de Laura de Souza, de dicção alemã absolutamente impecável, conseguindo projetar por todo o teatro até mesmo as mais surdas e difíceis consoantes do idioma.
O segundo ato é o ato de Wotan, um dos papéis mais longos e difíceis de todo o repertório. Encarregado da empreitada, Lício Bruno, um cantor cuja região central é superior às zonas grave e aguda, mostrou inteligência para, sem perder a intensidade dramática, dosar as forças e chegar inteiro ao final do espetáculo, ainda para escapar de situações de comicidade involuntária, como o final do segundo ato, em que sua capa ficou enroscada no corpo caído no chão de Álvares. Wotan tem uma mulher ciumenta, Fricka, retratada pela Celine Imbert de sempre, vocalmente esplêndida e cenicamente selvagem, um personagem de verismo italiano (Santuzza em roupagem wagneriana).
Como todo deus mitológico, Wotan é chegado a uma pulada de cerca e tem uma filha fora do casamento, a valquíria Brünnhilde, cantada pela única importada do elenco, a americana Maria Russo, robusta na acepção ampla da palavra, de voz possante e dicção cristalina, com atuação uniforme até o final do terceiro ato.
O britânico Aidan Lang construiu um palco que era um pentágono inclinado, com as assimetrias que são sua assinatura. Wotan veste branco, e as valquírias, embora de elmo, trocam espada e escudo por uma coreografia que sugere os super-heróis de HQs. No fim, uma concepção limpa e comportada, embora a presença de uma maquete da utópica Berlim nazista de Albert Speer no segundo ato possa incomodar os mais suscetíveis.
Uma palavra, ainda, para a Amazonas Filarmônica, exemplo claro de que, ao contrário do que se diz por aí, o Brasil não tem uma só orquestra e de que é possível conseguir altos padrões artísticos sem recorrer a autoritarismo e intimidação. Embora tenha havido alguns problemas de afinação e ataques ao longo da récita, a filarmônica jamais encobriu os cantores, mostrou uma sonoridade bonita, especialmente nas cordas, e soube ser protagonista à altura do drama musical, tocando um repertório ao qual não está (ainda) acostumada, mas no qual pode virar referência nacional.


Avaliação:    

O jornalista Irineu Franco Perpetuo viajou a Manaus a convite da organização do festival




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