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COM A BOCA NO TROMBONE
Arnaldo Cohen diz que país não valoriza sua intelligentsia devido a "vírus comportamental"
"Não preciso do Brasil para sobreviver"
DO ENVIADO À FILADÉLFIA
Leia a seguir a continuação da
entrevista com Arnaldo Cohen.
(RAFAEL CARIELLO)
Folha - A qual vírus o sr. se refere?
Arnaldo Cohen - A qualidade da
ética das instituições pode ser medida somente por meio da qualidade ética das pessoas que as representam. Colhemos ainda os
frutos de uma péssima herança
política, e acho que o desafio para
um Brasil melhor reside na nossa
competência em desenvolver
softwares que nos libertem de vírus "comportamentais". Do tipo
ACM@Brasil -essa sigla quer dizer Anomalia Comportamental
quase Medieval, em que manda
quem pode e obedece quem tem
juízo. Esse vírus torna o país mais
"físico" que "jurídico". Ele se propaga em muitos setores da sociedade, em que um simples "eu não
gosto dele", desprovido de qualquer conteúdo, pode ser o suficiente para alienar e prejudicar
bons profissionais. As instituições
não devem ser usadas como plataformas para objetivos pessoais.
Folha - Por onde ele se propaga?
O sr. pode dar exemplos?
Cohen - Posso, de profissionais
contaminados por esse vírus. Durante alguns anos, fui colaborador
da revista "Veja", que me classificava como um grande artista "internacional". Em 2000, tive um
desentendimento com um editor.
A partir de então, deixei de ser
"internacional". Toquei anualmente, durante 20 anos, com a
Orquestra Sinfônica Brasileira.
Em 2001, seu diretor musical, o
argentino-israelense Yeruham
Scharovsky, me conferiu o diploma de "persona non-grata", até
hoje não sei por quê. É curioso ser
boicotado na minha própria terra
por um estrangeiro sem qualificações profissionais à altura de muitos dos regentes brasileiros. As
pessoas vêm a mim: "Arnaldo,
por que você não vai tocar com a
OSB?". É uma orquestra que adoro, tem um grande potencial, mas
é uma orquestra sem rumo, sobretudo musical, por causa dos
problemas da liderança. O regente também declarou que eu não
sou um intérprete internacional.
No Brasil existe uma grande confusão entre internacional e estrangeiro. O sujeito que nasceu na Argentina, ou só porque tem um
passaporte israelense e trabalha
numa escola de música num kibutz em Israel, no Brasil ele é considerado internacional por causa
do passaporte dele. Talvez eu não
seja considerado internacional
por causa da cor do meu passaporte. Ou talvez eu devesse apresentar o meu passaporte vermelho, inglês. Não sei por que esse
súbito boicote... Não é um boicote
profissional, porque, se eu dependesse de um concerto por ano
com a OSB para sobreviver... De
uma certa maneira até tenho pena
desse rapaz, porque a situação dele é oposta: se ele não tiver a OSB,
para sobreviver, imagino, plantar
batatas num kibutz é uma das
poucas soluções para ele. O Brasil
não dá valor à sua intelligentsia,
sobretudo aos auto-exilados.
Folha - O sr. vê solução para esses
problemas que diz ver no Brasil?
Cohen - Há um problema ético.
É um país pouco profissional, onde a lei de Gerson vingou. Não foi
um momento de simples criatividade, foi um momento de lucidez,
para numa sátira publicitária fazerem um retrato da sociedade
brasileira. Acho o Brasil inviável
até para os meus netos. Para os
meus bisnetos, pode ser... Digo isso com dor. Às vezes é preciso algo muito sério para que aconteça
algo. O remédio amargo muitas
vezes pode ser o que cura. Não falo em ditadura ou mudança de regime. Outros exemplos "ACM": a
Sociedade Cultura Artística. É
subsidiada pela Lei Rouanet, ou
seja, usa recursos provenientes de
impostos dos brasileiros. Grande
parte desse dinheiro tem como
destino bancos americanos ou europeus. Não causa surpresa o fato
de eu também ser boicotado por
essa organização.
A imprensa pode ser uma lamparina no fundo do túnel. Mas
precisamos cuidar do topo da pirâmide. Você pode me perguntar
por que eu resolvi dizer tudo isso.
Vários amigos me disseram: "Não
faça isso, você será ainda mais
perseguido". Sinto que preciso
dar uma satisfação ao meu público do Rio. Neste ano não vou tocar lá. Por quê? Preciso dizer. O
que respondo? Me escondo? A
gente precisa ter uma certa coragem. Eu não preciso do Brasil para sobreviver. Por isso, se eu, que
não preciso, não tiver coragem,
quem vai ter? Isso não é um lamento, mas uma obrigação cívica.
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