São Paulo, domingo, 20 de abril de 2008

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Crítica/"O Padre e a Moça"

Contrastes de Joaquim Pedro fazem filme plácido e tenso

Longa mostra Minas Gerais em que aparências inatacáveis coexistem com perversões

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Há filmes que parecem improvisos e outros que parecem viver longos anos na imaginação de seus autores.
"Macunaíma", o grande sucesso de Joaquim Pedro, está no primeiro caso: é uma resposta que dava ao AI-5 e à mudança brutal de rumo político do país, ao mesmo tempo em que é uma espécie de adaptação do pensamento do cinema novo aos novos ares tropicalistas. Não que isso diminua o filme.
É que havia ali a necessidade do cineasta de responder de maneira imediata a certos desafios do presente -o que deve ter conseguido, no mais, tanto que "Macunaíma" foi seu maior sucesso de bilheteria. "O Padre e a Moça", ao contrário, é um filme de Minas Gerais. Não se pode dizer que fora do tempo, mas mergulhado nessa substância mineira que parece perder o tempo de vista.
Ali estão a sensualidade contida das garotas (Helena Ignez, no caso), a beleza severa dos homens (Paulo José). Ali está um catolicismo profundo, a repressão sexual, as aparências inatacáveis envolvendo as perversões. Ali está ainda Fauzi Arap, o bêbado e farmacêutico, impotente e desesperado desse lugar moribundo: a quintessência de toda essa insânia.

Ruelas retorcidas
Estamos em 1965, mas a Minas de que fala o filme é anterior ao Concílio Vaticano 2º. É um lugar de ruelas retorcidas, maltratadas, onde da natureza exaurida o ouro já não aflora. Restaram, no entanto, as casas.
E Joaquim Pedro parece ter uma ligação profunda com estas fachadas simples, plácidas, com o mobiliário das casas. Isso é o filme. É o que seu autor parece querer mostrar: a batina negra do padre em contraste com a roupa clara da moça. Os cabelos escuros dele e os claros dela. Esses contrastes e outros que a luz de Mario Carneiro dá a ver magnificamente criam uma imagem plácida e tensa. Como é Minas, de certa forma, um lugar onde a placidez existe para disfarçar as tensões. Como se entre a sexualidade reprimida e a hipótese da libertação não houvesse mais que um fio de separação. Como se estivesse tudo para explodir e só o peso de uma instituição como a igreja a contivesse.
Há um lado político, é verdade: um tanto de coronelismo, exploração, escravidão. Mas Joaquim Pedro passa por isso como um mal necessário, como se fosse preciso agradar aos companheiros do cinema novo.
Afinal, "ça va de soi", como se diz: são coisas dadas, inscritas nessa cultura da contenção em que o filme se detém.
E o filme se chama "O Padre e a Moça". O padre é Paulo José; a moça, Helena Ignez. O sedutor e a mulher de todos. Sabemos onde as coisas chegarão entre os dois desde que entramos em contato com o título. O que saberemos depois é como isso acontece e suas decorrências. É o primeiro longa de ficção de Joaquim Pedro. É também sua obra-prima.
Em tempo: o DVD é precioso ainda pelos extras, com os documentários "O Mestre de Apipucos", sobre Gilberto Freyre, "O Poeta do Castelo", sobre Manuel Bandeira, e "Couro de Gato", sobre tamborins, além do belo "making of" retrospectivo "O Mundo de um Filme".


O PADRE E A MOÇA
Direção:
Joaquim Pedro de Andrade
Distribuição: Videofilmes
Quanto: R$ 46, em média
Avaliação: ótimo


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