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Crítica/"O Padre e a Moça"
Contrastes de Joaquim Pedro fazem filme plácido e tenso
Longa mostra Minas Gerais em que aparências inatacáveis coexistem com perversões
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Há filmes que parecem
improvisos e outros
que parecem viver
longos anos na imaginação de
seus autores.
"Macunaíma", o grande sucesso de Joaquim Pedro, está
no primeiro caso: é uma resposta que dava ao AI-5 e à mudança brutal de rumo político
do país, ao mesmo tempo em
que é uma espécie de adaptação
do pensamento do cinema novo aos novos ares tropicalistas.
Não que isso diminua o filme.
É que havia ali a necessidade do
cineasta de responder de maneira imediata a certos desafios
do presente -o que deve ter
conseguido, no mais, tanto que
"Macunaíma" foi seu maior sucesso de bilheteria.
"O Padre e a Moça", ao contrário, é um filme de Minas Gerais. Não se pode dizer que fora
do tempo, mas mergulhado
nessa substância mineira que
parece perder o tempo de vista.
Ali estão a sensualidade contida das garotas (Helena Ignez,
no caso), a beleza severa dos
homens (Paulo José). Ali está
um catolicismo profundo, a repressão sexual, as aparências
inatacáveis envolvendo as perversões. Ali está ainda Fauzi
Arap, o bêbado e farmacêutico,
impotente e desesperado desse
lugar moribundo: a quintessência de toda essa insânia.
Ruelas retorcidas
Estamos em 1965, mas a Minas de que fala o filme é anterior ao Concílio Vaticano 2º. É
um lugar de ruelas retorcidas,
maltratadas, onde da natureza
exaurida o ouro já não aflora.
Restaram, no entanto, as casas.
E Joaquim Pedro parece ter
uma ligação profunda com estas fachadas simples, plácidas,
com o mobiliário das casas.
Isso é o filme. É o que seu autor parece querer mostrar: a
batina negra do padre em contraste com a roupa clara da moça. Os cabelos escuros dele e os
claros dela. Esses contrastes e
outros que a luz de Mario Carneiro dá a ver magnificamente
criam uma imagem plácida e
tensa. Como é Minas, de certa
forma, um lugar onde a placidez existe para disfarçar as tensões. Como se entre a sexualidade reprimida e a hipótese da libertação não houvesse mais
que um fio de separação. Como
se estivesse tudo para explodir
e só o peso de uma instituição
como a igreja a contivesse.
Há um lado político, é verdade: um tanto de coronelismo,
exploração, escravidão. Mas
Joaquim Pedro passa por isso
como um mal necessário, como
se fosse preciso agradar aos
companheiros do cinema novo.
Afinal, "ça va de soi", como se
diz: são coisas dadas, inscritas
nessa cultura da contenção em
que o filme se detém.
E o filme se chama "O Padre e
a Moça". O padre é Paulo José;
a moça, Helena Ignez. O sedutor e a mulher de todos. Sabemos onde as coisas chegarão
entre os dois desde que entramos em contato com o título. O
que saberemos depois é como
isso acontece e suas decorrências. É o primeiro longa de ficção de Joaquim Pedro. É também sua obra-prima.
Em tempo: o DVD é precioso
ainda pelos extras, com os documentários "O Mestre de Apipucos", sobre Gilberto Freyre,
"O Poeta do Castelo", sobre
Manuel Bandeira, e "Couro de
Gato", sobre tamborins, além
do belo "making of" retrospectivo "O Mundo de um Filme".
O PADRE E A MOÇA
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Distribuição: Videofilmes
Quanto: R$ 46, em média
Avaliação: ótimo
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