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CINEMA
"Quanto Vale ou É por Quilo?" critica a exploração da miséria como negócio pela sociedade civil, em paralelo com a escravidão
Bianchi dispara torpedos na moral brasileira
PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O Brasil no cinema de Sergio Bianchi é uma terra arrasada moralmente, uma nação
inclinada à autofagia social. É um
mundo mais que sombrio este, e
não é difícil que cause certa reação
em quem prefira o Brasil edulcorado que está em boa parte do cinema nacional recente. Este universo de Bianchi, até agora traduzido por uma cinematografia
mal-acabada, ganha precisão digna de um Sergei Eisenstein em
"Quanto Vale ou É por Quilo?".
Um Eisenstein teórico, que fique claro. O da montagem dialética, que é o princípio deste filme,
que mantém a missão bélica do
cineasta em apontar os monstros
da miséria moral e material brasileira: o abismo social, devassidão
política, falta de solidariedade, estrutura viciada etc. Daí que o alvo
das ONGs parece ser apenas mais
uma estruturação narrativa para
falar de algo maior, que é a miséria como um negócio rentável.
O passado escravista surge alternado com o tempo presente,
que mostra empresários e voluntários alimentando seus egos e
bolsos à custa do assistencialismo.
Uma engrenagem que produz um
dinheiro que jamais escoa para as
mãos pobres.
Aí retornamos à montagem dialética (assinada por Paulo Sacramento, aliás). A teoria prescreve
que uma tomada sucedida por
outra cria uma terceira impressão. É assim que Bianchi põe na
seqüência passado e presente, por
exemplo. Ou narração em off ilustrada por imagem de outra ordem, dando sentidos outros ao
que vemos na tela. O filme, aliás,
não só envereda por estéticas estilizadas, simbólicas e mais "naturalistas" como também recorre a
índices e timbres que fazem das
imagens de época algo históricas.
Mas o caminho é o sentido obtido
na sucessão de fragmentos, jamais nas partes, que são um tanto
malandras, capciosas.
O acabamento estético conceitual traz, então, peças para montar na cabeça. Os personagens são
mais símbolos, ilustrações discursivas, peões para situações emblemáticas que confirmem a tese de
Bianchi. Assim, se no Brasil do século 18 a escrava que ganhou a liberdade lucra com seus próprios
escravos, hoje é uma mulher classe média-baixa que sonha ter sua
ONG como uma grande empresa.
Se o caçador de escravos de ontem o fazia para sustentar a gravidez da mulher, agora é um desempregado que vira matador
profissional para abastecer o consumismo da patroa.
Na dialética das imagens, fica
claro que o dinheiro é o motor
histórico deste país. Mas a montagem também comprova que o
tempo parece estático, único. Onde passado e presente são como
espelhos a refletir, um no outro, a
mesma situação, que é nada menos que horripilante, com homens devorando-se.
Uma constatação sinistra, e não
apenas para os marxistas, esta de
que o caminhar da história bóia
nas permanências, como uma roda-viva que repete a volta.
O longa não propõe uma saída,
algo que se repete em quase toda a
filmografia do diretor, em "Maldita Coincidência" (79) e "Romance" (88). Mas aponta o caos,
arriscando ataques injustos contra entidades sérias, sim, mas filtrando todo o caldo da miséria
nacional para lançá-lo à platéia.
Bianchi talvez saiba que não estamos mais em tempos de "Cronicamente Inviável" (2000), mas
num momento no qual a política
nacional parece enevoada e que a
tal "qualidade" do cinema é quase
uma regra. Daí que "Quanto Vale
ou É por Quilo?" só poderia recrudescer seu conteúdo crítico através de uma cinematografia mais
sofisticada, a melhor, aliás, de sua
carreira.
Quanto Vale ou É por Quilo?
Direção: Sergio Bianchi
Produção: Brasil, 2005
Com: Caco Ciocler, Ana Lucia Torre, Silvio
Guindane, Zezé Motta
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, HSBC Belas Artes, Lumière e Sala UOL
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