|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Diretor de "A Vida Marinha com Steve Zissou" explica por que convidou Seu Jorge para cantar versões de Bowie no filme
Anderson leva fantasia ao fundo do mar
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Wesley Wales Anderson entra
na suíte presidencial de um hotel
de Los Angeles e de repente tudo
parece maior do que é. Com apenas duas pessoas no ambiente, o
entrevistador e o entrevistado, o
quarto ganha as dimensões de um
estádio. A poltrona de couro em
que ele se senta se transforma
num daqueles cadeirões que os
restaurantes paulistanos dos anos
70 colocavam à disposição dos
pais. A culpa da distorção espacial
é do próprio Wesley.
É que Wes Anderson, seu nome
de guerra, diretor de "A Vida Marinha com Steve Zissou", é um
homem miúdo, de feições infantis
e gestos franzinos. Fala baixo.
Cruza as pernas à maneira das
mulheres. Toma água em goles
mínimos. E faz questão de ressaltar sua pequenez ao mandar confeccionar todas as suas roupas
num alfaiate, que segue suas instruções precisas. O resultado é um
adulto vestindo roupas de criança
que imitam roupas de um adulto,
como um Rodrigo Santoro desfilando os lançamentos da Petistil.
São artifícios de uma personalidade fechada para esconder um
gigante do cinema, que, com apenas quatro longas, se firmou como um dos diretores mais originais de Hollywood. Na conversa
com a Folha, fala de suas obsessões, da homenagem a Jacques-Yves Cousteau (1910-97) e da escolha de Seu Jorge, o Mané Galinha de "Cidade de Deus", para
trabalhar como um menestrel,
cantando versões de David Bowie.
Folha - Por que Seu Jorge?
Wes Anderson - Eu o vi em "Cidade de Deus" sem ter idéia de
que ele era músico. Fiquei impressionado com sua atuação, a
expressão dele, seu rosto, a voz incrível. Queria que ele cantasse as
músicas do David Bowie, pois seu
personagem já era um brasileiro
que cantava as músicas. Saber que
ele era músico também foi uma
bela surpresa. Então, ele nos surpreendeu de novo fazendo as versões em português...
Folha - Por que você queria um
personagem brasileiro?
Anderson - Queria que o time de
mergulhadores de Steve Zissou
fosse internacional. Primeiro coloquei um japonês, depois criei
um alemão e aí decidi colocar um
brasileiro. Achei que o brasileiro
seria o melhor para cantar.
Folha - Por quê? Você gosta de
música brasileira?
Anderson - Gosto, mas conheço
pouco, não muito, comecei a ouvir um tempo atrás, quando o David Byrne produziu aqueles discos pelo selo Luaka Bop. E Seu
Jorge acabou trazendo um pouco
mais da música quando fez as versões maravilhosas da trilha.
Folha - Entende o que ele canta?
Anderson - Nada. Em "Rock'n
Roll Suicide", tem o verso: "Time
takes a cigarette, puts it in your
mouth, you pull on your finger,
then another finger, then your cigarette". Eu ficava ouvindo ele
cantar e tentando descobrir onde
estava a palavra "cigarette" [cigarro] em português. Finalmente,
perguntei a ele, que disse que estava cantando algo sobre ser amigos
para sempre. Pensei, mas isso não
tem nada a ver com o original. Ele
disse: "Não mesmo". Pedi então
que ele colocasse pelo menos alguma coisa parecida em "Rebel
Rebel" e em uma ou outra [risos].
Folha - E você sabe o que virou
"Rebel Rebel"?
Anderson - Não. Não é "Rebel
Rebel" mesmo?
Folha - Não, virou "zero a zero",
que é o resultado de um jogo de futebol em que nenhum dos times
conseguiu marcar gol.
Anderson - Uau!
Folha - Seus três outros filmes são
tão urbanos, em ambientes tão
controlados, por que filmar no
oceano desta vez?
Anderson - Não sei, é uma boa
pergunta. Venho pensando nesse
filme há muito tempo e não tenho
essa resposta.
Folha - Mas você era fã do Jacques
Cousteau quando criança?
Anderson - Muito, dele e de outros oceanógrafos e cineastas que
fizeram e fazem filmes no fundo
do mar. Adoro o efeito de fotografia que você consegue lá.
Folha - Todos os seus filmes têm
um dos irmãos Wilson, três trazem
Bill Murray, dois têm Anjelica Huston. Por que repetir?
Anderson - Gosto de trabalhar
com as mesmas pessoas, meus
amigos, sejam eles atores ou os
que ficam por trás das câmeras.
Mas nesses casos que você citou
também estão alguns dos meus
atores preferidos de todos os tempos, então essa combinação faz
com que eu pense neles primeiro.
Folha - Por que o clima de anos 70
no submarino Belafonte [onde se
passa a ação]?
Anderson - Em parte porque a
operação toda do Zissou é para
ser uma coisa datada mesmo, ele
não tem as novidades nem o dinheiro para se atualizar. O navio
dele é da Segunda Guerra. Combina com Zissou, mas também adoro o estilo daquelas coisas, aquele
visual psicodélico. E umas não
são apenas antigas, são inventadas mesmo. Ele dirige o submarino como um carro, seria impossível, mas achei mais legal fazer assim. Já o personagem do Goldblum é muito mais moderno.
Folha - Você tem fama de ser obsessivo, controlador de todos os aspectos do filme. É verdade?
Anderson - Sim, e tenho um gosto específico. Mas não faço tudo,
tenho um designer que é um gênio e me conhece bem, então interpreta minhas idéias e cria tudo
para mim. Só desenho, tento
mostrar visualmente o que quero.
Texto Anterior: Arteplex inaugura seis salas em antigos espaços pornôs no Rio Próximo Texto: Crítica: Originalidade vem da mistura de obsessões pessoais Índice
|