São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 2005

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CINEMA

Diretor de "A Vida Marinha com Steve Zissou" explica por que convidou Seu Jorge para cantar versões de Bowie no filme

Anderson leva fantasia ao fundo do mar

SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

Wesley Wales Anderson entra na suíte presidencial de um hotel de Los Angeles e de repente tudo parece maior do que é. Com apenas duas pessoas no ambiente, o entrevistador e o entrevistado, o quarto ganha as dimensões de um estádio. A poltrona de couro em que ele se senta se transforma num daqueles cadeirões que os restaurantes paulistanos dos anos 70 colocavam à disposição dos pais. A culpa da distorção espacial é do próprio Wesley.
É que Wes Anderson, seu nome de guerra, diretor de "A Vida Marinha com Steve Zissou", é um homem miúdo, de feições infantis e gestos franzinos. Fala baixo. Cruza as pernas à maneira das mulheres. Toma água em goles mínimos. E faz questão de ressaltar sua pequenez ao mandar confeccionar todas as suas roupas num alfaiate, que segue suas instruções precisas. O resultado é um adulto vestindo roupas de criança que imitam roupas de um adulto, como um Rodrigo Santoro desfilando os lançamentos da Petistil.
São artifícios de uma personalidade fechada para esconder um gigante do cinema, que, com apenas quatro longas, se firmou como um dos diretores mais originais de Hollywood. Na conversa com a Folha, fala de suas obsessões, da homenagem a Jacques-Yves Cousteau (1910-97) e da escolha de Seu Jorge, o Mané Galinha de "Cidade de Deus", para trabalhar como um menestrel, cantando versões de David Bowie.

 

Folha - Por que Seu Jorge?
Wes Anderson -
Eu o vi em "Cidade de Deus" sem ter idéia de que ele era músico. Fiquei impressionado com sua atuação, a expressão dele, seu rosto, a voz incrível. Queria que ele cantasse as músicas do David Bowie, pois seu personagem já era um brasileiro que cantava as músicas. Saber que ele era músico também foi uma bela surpresa. Então, ele nos surpreendeu de novo fazendo as versões em português...

Folha - Por que você queria um personagem brasileiro?
Anderson -
Queria que o time de mergulhadores de Steve Zissou fosse internacional. Primeiro coloquei um japonês, depois criei um alemão e aí decidi colocar um brasileiro. Achei que o brasileiro seria o melhor para cantar.

Folha - Por quê? Você gosta de música brasileira?
Anderson -
Gosto, mas conheço pouco, não muito, comecei a ouvir um tempo atrás, quando o David Byrne produziu aqueles discos pelo selo Luaka Bop. E Seu Jorge acabou trazendo um pouco mais da música quando fez as versões maravilhosas da trilha.

Folha - Entende o que ele canta?
Anderson -
Nada. Em "Rock'n Roll Suicide", tem o verso: "Time takes a cigarette, puts it in your mouth, you pull on your finger, then another finger, then your cigarette". Eu ficava ouvindo ele cantar e tentando descobrir onde estava a palavra "cigarette" [cigarro] em português. Finalmente, perguntei a ele, que disse que estava cantando algo sobre ser amigos para sempre. Pensei, mas isso não tem nada a ver com o original. Ele disse: "Não mesmo". Pedi então que ele colocasse pelo menos alguma coisa parecida em "Rebel Rebel" e em uma ou outra [risos].

Folha - E você sabe o que virou "Rebel Rebel"?
Anderson -
Não. Não é "Rebel Rebel" mesmo?

Folha - Não, virou "zero a zero", que é o resultado de um jogo de futebol em que nenhum dos times conseguiu marcar gol.
Anderson -
Uau!

Folha - Seus três outros filmes são tão urbanos, em ambientes tão controlados, por que filmar no oceano desta vez?
Anderson -
Não sei, é uma boa pergunta. Venho pensando nesse filme há muito tempo e não tenho essa resposta.

Folha - Mas você era fã do Jacques Cousteau quando criança?
Anderson -
Muito, dele e de outros oceanógrafos e cineastas que fizeram e fazem filmes no fundo do mar. Adoro o efeito de fotografia que você consegue lá.

Folha - Todos os seus filmes têm um dos irmãos Wilson, três trazem Bill Murray, dois têm Anjelica Huston. Por que repetir?
Anderson -
Gosto de trabalhar com as mesmas pessoas, meus amigos, sejam eles atores ou os que ficam por trás das câmeras. Mas nesses casos que você citou também estão alguns dos meus atores preferidos de todos os tempos, então essa combinação faz com que eu pense neles primeiro.

Folha - Por que o clima de anos 70 no submarino Belafonte [onde se passa a ação]?
Anderson -
Em parte porque a operação toda do Zissou é para ser uma coisa datada mesmo, ele não tem as novidades nem o dinheiro para se atualizar. O navio dele é da Segunda Guerra. Combina com Zissou, mas também adoro o estilo daquelas coisas, aquele visual psicodélico. E umas não são apenas antigas, são inventadas mesmo. Ele dirige o submarino como um carro, seria impossível, mas achei mais legal fazer assim. Já o personagem do Goldblum é muito mais moderno.

Folha - Você tem fama de ser obsessivo, controlador de todos os aspectos do filme. É verdade?
Anderson -
Sim, e tenho um gosto específico. Mas não faço tudo, tenho um designer que é um gênio e me conhece bem, então interpreta minhas idéias e cria tudo para mim. Só desenho, tento mostrar visualmente o que quero.


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