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CDS
MPB
Trabalho traz composições de Lennon & McCartney, Caetano e Nelson Cavaquinho
CD exalta simbiose entre o piano de Mehmari e a voz de Ozzetti
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Há discos de cantoras e pianistas em que o entrosamento entre as partes alcança resultados sublimes. Apenas dois
exemplos: Ella Fitzgerald & Paul
Smith, Nana Caymmi & Cesar
Camargo Mariano. O avesso
ocorre quando intérpretes usam a
fórmula para extravasar suas vaidades, valendo-se dos pianistas
como meros acompanhantes.
"Piano e Voz", de André Mehmari e Ná Ozzetti, se insere de
maneira brilhante no primeiro
caso. Poucas vezes no Brasil um
disco feito nesse modelo chegou a
um grau tão alto de simbiose.
E Mehmari e Ozzetti começaram a trabalhar juntos apenas em
2004, quando foram convidados
para fazer um show em Porto Alegre. Segundo ela, a comunhão se
estabeleceu rapidamente, durante
a escolha do repertório, que obedeceu ao mais simples dos critérios: gostar das músicas e querer
interpretá-las.
"Eu escolhi músicas que sonhava cantar há muito tempo. André
também tinha algumas. Nossos
desejos se ligaram naturalmente",
simplifica Ozzetti.
O talento dos dois superou um
outro risco, o do ecletismo. O CD
tem, na sua diversificada lista de
compositores, Ernesto Nazareth,
Lennon & McCartney, Caetano
Veloso, Arthur Hamilton e Nelson Cavaquinho, entre outros.
"A unidade é o nosso duo. Qualquer que fosse o repertório teria a
cara da nossa união", afirma a
cantora.
Todas as músicas passaram a
ser de Mehmari & Ozzetti, como
se fizessem parte de um recital tão
rigoroso quanto íntimo, no qual a
formação erudita do pianista e a
extensão vocal da cantora são
usadas de modo aparentemente
natural, não como medalhas que
devem ser ostentadas.
"As coisas que o André usou
não foram muito planejadas. Ensaiando, ele se lembrava de referências e passava a usá-las", conta
Ozzetti.
Dessa forma, "Pérolas aos Poucos" (José Miguel Wisnik/Paulo
Neves), a primeira faixa, abre com
uma citação a "Oferenda Musical", de Bach. Já "Because" (Lennon/McCartney) abre com uma
sonata de Beethoven e, sem perder sua carne pop, ganha uma alma quase religiosa.
Essa capacidade de reinventar
as músicas sem traí-las, iluminando possibilidades que estavam
ocultas, aparece em outras ocasiões. Em "O Ciúme", toda a melancolia da música de Caetano
vem à tona enquanto melodia e
voz passeiam juntas na toada do
rio São Francisco, o "velho Chico"
da letra.
Em "Luz Negra", o piano envolve a voz de Ozzetti como se não
houvesse separação entre ele e ela.
Mehmari se permite fazer pequenas inserções de jazz e música
clássica, sem modificar a base do
samba triste de Nelson Cavaquinho.
Em "A Ostra e o Vento", é o Nino Rota de "Amarcord" que aparece na abertura, funcionando como chave para a canção onírica de
Chico Buarque. O diálogo entre
brisa e menina que há na letra é
embalado por um piano que evoca as ondas do mar.
Mas o grande momento do disco é "Gabriela". Mehmari e Ozzetti regravaram toda a suíte composta por Tom Jobim e só registrada na íntegra pelo próprio
maestro no disco "Passarim".
"Decidimos seguir à risca a partitura da forma que Tom a escreveu", explica Ozzetti.
O piano é percussivo em alguns
momentos, torna-se amaxixado
em outros e toca uma linda valsa
na hora mais delicada da suíte.
Suavemente aguda quando necessário, suingante em outras
partes, Ozzetti mostra aqui por
que é uma das melhoras cantoras
do país. "Gabriela" termina com a
ótima citação de "O Boto", a parceria inusitada de Jobim com Jararaca.
Com outros grandes momentos
como "Chora um Rio" (versão
para "Cry me a River", de Arthur
Hamilton) e "Os Povos" (linda
música de Milton Nascimento e
Fernando Brant que estava esquecida), "Piano e Voz" é uma obra-prima para ser ouvida várias vezes, para se perceber todas as camadas que contém.
Piano e Voz
Artistas: André Mehmari e Ná Ozzetti
Gravadora: MCD
Quanto: R$ 26, em média
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