São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 2011

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Lars von Treta

"Persona non grata" no Festival de Cannes após declarar ter simpatia por Hitler, cineasta dinamarquês se diz arrependido

Yves Herman/Reuters
Von Trier durante sessão com a imprensa em Cannes anteontem

ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Lars von Trier, 55, que sempre gostou de polemizar, nas entrevistas e nos filmes, está cabisbaixo. E com medo das próprias palavras.
Um dia após ter dito, em tom jocoso, durante uma coletiva de imprensa, que era "nazi" e tinha certa admiração por Hitler, o cineasta dinamarquês foi declarado "persona non grata" pelo Festival de Cannes.
Trier está proibido de entrar no Palais onde acontecem as sessões. Não poderá assistir à cerimônia de encerramento, no domingo.
A Folha tinha uma entrevista marcada com Trier para o início da tarde de ontem. Uma hora antes da conversa, ele fora informado da decisão tomada pela diretoria do festival, que se reuniu em sessão extraordinária.
"Vou sentir muitas saudades do Gilles Jacob [diretor do festival], porque costumava conversar muito com ele", afirmou. "Mas acredito que a gente ainda possa ter, em segredo, algum tipo de comunicação. Eu o respeito muito. Vim para Cannes com cada um dos filmes que fiz."

GATO ESCALDADO
O Trier de ontem não era o de anteontem, aquele que, antes do discurso nazista, havia feito piadas de mau gosto com Kirsten Dunst, atriz de "Melancholia".
O cineasta recebeu jornalistas, ontem, em Mougins, cidade perto de Cannes.
De chapéu panamá e sandálias, tinha o aspecto de um senhor em férias. Mas, quando começou a falar, ficou evidente seu estado de tensão.
As mãos trêmulas - possível efeito da abstinência de álcool, à qual se submete há seis meses - ressaltaram sua aparência frágil.
"Me arrependo. Foi uma brincadeira estúpida."
Diz nem saber como chegou à fala infeliz. Sabe que foi uma polêmica sem propósito essa na qual se envolveu.
"Fiz uma brincadeira com a [cineasta] Susanne Bier, e vi que ninguém entendeu. Aí, quis dizer que cresci achando que era judeu, mas que depois descobri que era alemão. Bom, aí veio aquela estupidez. Aí entrei um pouco em pânico. E, então, quis defender os judeus", disse.
"O que aconteceu tem a ver com um tipo de humor, que é meu, e também com algumas palavras divulgadas fora de contexto."
Perguntado sobre o quanto o episódio o envergonharia diante dos filhos, deu de ombros: "Meus filhos sabem, primeiro, que sou louco. E, depois, que não sou nazista".
Se da última vez em que esteve em Cannes, com "O Anticristo" (2009), o diretor teve discussões inflamadas sobre cinema, desta vez, o suposto "marketing da polêmica" em nada contribuiu para a visibilidade do filme.
Deixou-o, ao contrário, em segundo plano. "O filme vai seguir sua vida. Comigo calado, de preferência", brincou.
O longa, que estreia no Brasil em agosto, tenta capturar o sentido de um estado mental: a melancolia, às vezes confundida com estados de depressão.
Protagonizado por Dunst, o filme começa com a imagem de um planeta, Melancholia, prestes a se encontrar com a Terra. Se houver um choque, o mundo acaba.
Para Trier, a melancolia, e não a depressão, "é um tipo de vitamina da qual todos precisamos".
Ele, pelo visto, precisa da melancolia e da provocação. Em entrevistas que se seguiram à conversa com a Folha, o diretor já surgia de novo irônico e disse, até, que o papel de "persona non grata" lhe caía muito bem.


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