|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Mitar Subotic, há oito anos no país, atuou nos discos recentes de Edson Cordeiro, Marina Lima e Mestre Ambrósio
Produtor iugoslavo dá polimento na MPB
Cleo Velleda/Folha Imagem
|
O iugoslavo Mitar Subotic, que vive em SP e produz discos de MPB
|
MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha
Atrás dos vidros transparentes
de estúdios de gravação, diante de
uma infinidade de botões, alguns
personagens de sobrenome Olivetti, Morelembaum e Lindsay colaboram para retocar o ritmo e os
timbres da MPB.
Agora, mais um sobrenome
pouco familiar se junta aos outros
e aparece como produtor de valores pátrios: Subotic.
Mitar Subotic, ou simplesmente
Suba, 37, é um servo-croata que
assina a produção dos novos discos de Edson Cordeiro, Marina Lima e Mestre Ambrósio.
Já eram de Suba a produção de
discos de Arnaldo Antunes, Quinteto Violado, Edgar Scandurra,
Dinho Ouro Preseto, João Parahyba e Taciana Barros.
Ele não é um estranho no ninho
underground (ainda se usa essa
palavra?) paulistano. Fez trilhas de
teatro para Lala De Heinzelin e Renata Melo. Fez a trilha do desfile de
formatura de Alexandre Herchcovitch.
Já ganhou até um prêmio, em 94,
da APCA (Associação Paulista de
Críticos de Arte), pela trilha da peça "Bonita Lampião".
Agora, é paparicado pelas grandes gravadoras. Pelo jeitão da coisa, é chegada a vez da "brazilka
popularna muzika" (música popular brasileira, em sérvio).
Mas por que diabos esse iugoslavo de Novi Sad, uma das poucas
regiões não afetadas pela guerra
que desmembrou a Iugoslávia entre 1991 e 1996, veio parar no Brasil?
"A Unesco me ofereceu uma
bolsa de três meses para vir estudar o candomblé. Cheguei um dia
antes da posse do Collor. Então,
ele mudou todo o Ministério da
Cultura, e eu perdi todos os contatos", lembra Suba.
Nessa época, Suba, maestro formado em composição e orquestração pela Academy of Arts de
Novi Sad, morava em Paris, "onde qualquer um que quer ser artista tem de morar", diz.
Fazia trilhas para teatro na França, Bélgica, Iugoslávia, e para publicidade e televisão.
Sem dinheiro, num Brasil sem
fôlego devido ao plano econômico
da nova administração, que bloqueou contas bancárias, e sem
contatos, ficou num apartamento,
no Rio de Janeiro (RJ). Não falava
português.
"Estava vazando água. Li no dicionário que era bombeiro quem
consertava. Falei pro porteiro:
"Bombeiro'. Em dez minutos,
três caminhões de bombeiro apareceram tocando sirene e invadiram o prédio", lembra.
Suba ligou para sua empresária
Marija Rankov (a mesma de Brian
Eno). Esta lhe deu os telefones de
Lala. Foi feito o contato com o underground paulistano.
"Teatro, aqui, é bem underground, nunca tem dinheiro, o
equipamento é precário. Bem diferente da Europa", afirma. Aos
poucos, sua música "esquisita,
moderna, nova", como ele define,
foi sendo conhecida por um pequeno círculo (Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, José Miguel
Wisnik e outros).
"Fui a festas, sítios. Conhecia
tanta gente que tinha um livro
com o nome e descrição das pessoas, para eu não esquecer", diz.
A identificação com o Brasil? Segundo ele, o iugoslavo, como o
brasileiro, é festeiro e piadista.
"Ambos os países não se encaixam nos padrões de Primeiro ou
Terceiro Mundo e buscam independência de blocos dominantes."
Conhecia já o básico da MPB
(Gilberto Gil, Caetano, Gal Costa,
Tom Jobim e João Gilberto). Frequentava o Aeroanta. João Parahyba foi o primeiro a lhe mostrar as diferenças entre o samba,
pagode e maracatu.
Suba voltou para a Europa. Mas,
depois de seis meses, comprou
uma passagem para São Paulo e
daqui não saiu mais. Vivia com o
dinheiro das mais de 200 peças sonoras que deixou para trás -uma
delas ele ouviu recentemente no
Discovery Chanel.
"Lá, diferentemente daqui,
existem agentes que vendem o seu
trabalho. E, mesmo na Iugoslávia
arrasada pela guerra, os direitos
autorais são pagos religiosamente", afirma.
Casou-se com Taciana Barros e
montou, em São Paulo, um estúdio com um computador Atari e
um teclado. Aprendeu o português com Dani, filho de Taciana.
Seus primeiros trabalhos, aqui, foram trilhas de teatro e de desfiles.
Em junho de 1991, estoura a
guerra na Iugoslávia. "No começo, fiquei louco, sem notícia. Meu
pai é sérvio, e minha mãe é croata.
Mas a região em que moravam
não foi afetada. A guerra ficou a
200 quilômetros de lá."
A região, Vojvodila, ao norte de
Belgrado, foi a única região poupada pela loucura da "limpeza étnica". Uma terra quase sem dono,
nas escolas da região se ensina as
cinco línguas (dialetos) do país.
Seu primeiro trabalho de produtor de disco foi com Taciana Barros e, depois, com Dinho Ouro
Preto (Capital Inicial) -além de
remixes em coletâneas, alguns
lançados na Europa.
"Curiosamente, comecei a representar, na Europa, a música experimental brasileira. Agora mesmo o David Byrne me pediu uma
música para uma coletânea que ele
vai lançar só com músicas experimentais do Brasil", diz.
Segundo ele, a MPB é subexplorada: "Não se dá valor para coisas
que vêm daqui, e não há interesse
por um produto bem acabado".
"Lá fora, a MPB está em alta.
Tem uma gravadora, na Europa,
comprando as licenças de discos
daqui, especialmente da segunda
fase da bossa nova, João Donato,
Hermeto Pascoal, para fazer remixes", conta.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|