São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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MÚSICA
Mitar Subotic, há oito anos no país, atuou nos discos recentes de Edson Cordeiro, Marina Lima e Mestre Ambrósio
Produtor iugoslavo dá polimento na MPB

Cleo Velleda/Folha Imagem
O iugoslavo Mitar Subotic, que vive em SP e produz discos de MPB


MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Atrás dos vidros transparentes de estúdios de gravação, diante de uma infinidade de botões, alguns personagens de sobrenome Olivetti, Morelembaum e Lindsay colaboram para retocar o ritmo e os timbres da MPB.
Agora, mais um sobrenome pouco familiar se junta aos outros e aparece como produtor de valores pátrios: Subotic.
Mitar Subotic, ou simplesmente Suba, 37, é um servo-croata que assina a produção dos novos discos de Edson Cordeiro, Marina Lima e Mestre Ambrósio.
Já eram de Suba a produção de discos de Arnaldo Antunes, Quinteto Violado, Edgar Scandurra, Dinho Ouro Preseto, João Parahyba e Taciana Barros.
Ele não é um estranho no ninho underground (ainda se usa essa palavra?) paulistano. Fez trilhas de teatro para Lala De Heinzelin e Renata Melo. Fez a trilha do desfile de formatura de Alexandre Herchcovitch.
Já ganhou até um prêmio, em 94, da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), pela trilha da peça "Bonita Lampião".
Agora, é paparicado pelas grandes gravadoras. Pelo jeitão da coisa, é chegada a vez da "brazilka popularna muzika" (música popular brasileira, em sérvio).
Mas por que diabos esse iugoslavo de Novi Sad, uma das poucas regiões não afetadas pela guerra que desmembrou a Iugoslávia entre 1991 e 1996, veio parar no Brasil?
"A Unesco me ofereceu uma bolsa de três meses para vir estudar o candomblé. Cheguei um dia antes da posse do Collor. Então, ele mudou todo o Ministério da Cultura, e eu perdi todos os contatos", lembra Suba.
Nessa época, Suba, maestro formado em composição e orquestração pela Academy of Arts de Novi Sad, morava em Paris, "onde qualquer um que quer ser artista tem de morar", diz.
Fazia trilhas para teatro na França, Bélgica, Iugoslávia, e para publicidade e televisão.
Sem dinheiro, num Brasil sem fôlego devido ao plano econômico da nova administração, que bloqueou contas bancárias, e sem contatos, ficou num apartamento, no Rio de Janeiro (RJ). Não falava português.
"Estava vazando água. Li no dicionário que era bombeiro quem consertava. Falei pro porteiro: "Bombeiro'. Em dez minutos, três caminhões de bombeiro apareceram tocando sirene e invadiram o prédio", lembra.
Suba ligou para sua empresária Marija Rankov (a mesma de Brian Eno). Esta lhe deu os telefones de Lala. Foi feito o contato com o underground paulistano.
"Teatro, aqui, é bem underground, nunca tem dinheiro, o equipamento é precário. Bem diferente da Europa", afirma. Aos poucos, sua música "esquisita, moderna, nova", como ele define, foi sendo conhecida por um pequeno círculo (Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, José Miguel Wisnik e outros).
"Fui a festas, sítios. Conhecia tanta gente que tinha um livro com o nome e descrição das pessoas, para eu não esquecer", diz.
A identificação com o Brasil? Segundo ele, o iugoslavo, como o brasileiro, é festeiro e piadista. "Ambos os países não se encaixam nos padrões de Primeiro ou Terceiro Mundo e buscam independência de blocos dominantes."
Conhecia já o básico da MPB (Gilberto Gil, Caetano, Gal Costa, Tom Jobim e João Gilberto). Frequentava o Aeroanta. João Parahyba foi o primeiro a lhe mostrar as diferenças entre o samba, pagode e maracatu.
Suba voltou para a Europa. Mas, depois de seis meses, comprou uma passagem para São Paulo e daqui não saiu mais. Vivia com o dinheiro das mais de 200 peças sonoras que deixou para trás -uma delas ele ouviu recentemente no Discovery Chanel.
"Lá, diferentemente daqui, existem agentes que vendem o seu trabalho. E, mesmo na Iugoslávia arrasada pela guerra, os direitos autorais são pagos religiosamente", afirma.
Casou-se com Taciana Barros e montou, em São Paulo, um estúdio com um computador Atari e um teclado. Aprendeu o português com Dani, filho de Taciana. Seus primeiros trabalhos, aqui, foram trilhas de teatro e de desfiles.
Em junho de 1991, estoura a guerra na Iugoslávia. "No começo, fiquei louco, sem notícia. Meu pai é sérvio, e minha mãe é croata. Mas a região em que moravam não foi afetada. A guerra ficou a 200 quilômetros de lá."
A região, Vojvodila, ao norte de Belgrado, foi a única região poupada pela loucura da "limpeza étnica". Uma terra quase sem dono, nas escolas da região se ensina as cinco línguas (dialetos) do país.
Seu primeiro trabalho de produtor de disco foi com Taciana Barros e, depois, com Dinho Ouro Preto (Capital Inicial) -além de remixes em coletâneas, alguns lançados na Europa.
"Curiosamente, comecei a representar, na Europa, a música experimental brasileira. Agora mesmo o David Byrne me pediu uma música para uma coletânea que ele vai lançar só com músicas experimentais do Brasil", diz.
Segundo ele, a MPB é subexplorada: "Não se dá valor para coisas que vêm daqui, e não há interesse por um produto bem acabado".
"Lá fora, a MPB está em alta. Tem uma gravadora, na Europa, comprando as licenças de discos daqui, especialmente da segunda fase da bossa nova, João Donato, Hermeto Pascoal, para fazer remixes", conta.



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