São Paulo, Quinta-feira, 20 de Maio de 1999
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MÚSICA ERUDITA LES PERCUSSIONS DE STRASBOURG
Não existe inteligência mais funda do que a das emoções

ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas

Era uma floresta de instrumentos, iluminados de baixo por uma luz verde. Tambores, gongos, sinos, xilofones, mais centenas de pequenos e grandes objetos não-identificados. Tudo faria prever uma noite de exuberância e exaltação; e uma noite de muito barulho.
Mas o concerto de Les Percussions de Strasbourg, anteontem no Cultura Artística, foi quase o contrário: um exemplo de delicadeza e controle, se bem que também de uma elegância no limite da frieza.
Composta há 70 anos, "Ionisation" de Edgar Varèse (1883-1965) soa hoje como exemplo acabado do primitivismo modernista.
É a irmã espiritual das máscaras africanas de Picasso. Mas Les Percussions fez dela uma peça muito menos carregada de símbolos e muito mais rica de música. O menos agora é mais: menos sirene, menos teatro, menos futurismo.
A mesma discrição só fez aumentar o interesse também de "First Construction in Metal" (1939), de John Cage (1912-92). Mas o menos nem sempre é tamanha virtude. E composições mais recentes, como "Darkness", de Franco Donatoni, e "Drus, Flous, Debridés, des Bouts S'ebrouent", de Jean-Marc Singier, sofreram, nalguma medida, com o resguardo dos percussionistas.
Ambas resistem ao desejo de misturar timbres e querem fazer dos instrumentos de percussão instrumentos de pensamento. Mas o resultado está mais próximo da paisagem do que da meditação sonora; e a platéia escutou com admiração, mais do que com entrega.
Até aí teria sido só um bom concerto; mas a última peça mudou tudo. Composta há quatro anos, "Métal", de Philippe Manoury trouxe o que se espera de uma peça contemporânea: assombro, outra idéia de som, outra idéia de narrativa e aquela beleza estranha que vem junto com o novo.
São 12 metalofones, de afinação variada, que enchem os ouvidos de escalas fugidias, arpejos distribuídos no espaço, lindos corais de acordes e ressonâncias e melodias em uníssono. Os dois planos principais -um veludo de fundo, que deve às texturas da música eletroacústica, e golpes fortíssimos, que vão surgindo à nossa frente- mesclam-se em ritmos irregulares, para não dizer dramáticos.
E foi só aqui que Les Percussions de Strasbourg conseguiu saltar do plano do perfeitamente controlado para o do descontroladamente perfeito. Depois de um concerto inteiro de elegância e refinamento, mas também de uma certa distância, "Métal" serviu para nos lembrar que, na música, afinal, não existe inteligência mais funda do que a das emoções. E que isso vale para a música de qualquer época: inclusive a nova, inclusive a nossa.


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