São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 2000


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Vange Leonel estréia peça sobre lésbicas dos anos 20

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

No teatro ou no cinema, o homossexualismo é o tema da vez. Autores elegem personagens gays para conduzirem suas tramas, muitas delas salientando a discriminação e a intolerância que sofrem aqueles que têm a opção sexual pelo mesmo gênero.
Desta vez, sete personagens lésbicas estarão no palco do Centro Cultural São Paulo para dar vida à peça "As Sereias da Rive Gauche", da cantora e escritora Vange Leonel, 37.
Vange começou a carreira com a banda de rock Nau. Investiu numa careira solo, emplacando a música "Noite Preta", em 91. Viveu uma superexposição e teve os conflitos de praxe com uma grande gravadora, que exigia um trabalho mais comercial e a desencorajava a assumir publicamente sua opção sexual.
Mas foi escrevendo uma coluna em uma revista voltada para o público gay e publicando o livro "Lésbicas" (Planet Gay Books) que ela amadureceu sua militância, seguindo os preceitos da luta para neutralizar o preconceito: orgulho e visibilidade.
Para homenagear (orgulho) e recuperar a história (visibilidade) de lésbicas notórias, como as escritoras Djuna Barnes ("Almanaque das Senhoras") e Radclyffe Hall ("O Poço da Solidão"), Vange escreveu o espetáculo "As Sereias da Rive Gauche".
A peça se passa em Paris, nos anos 20, em torno do grupo criado por Natalie Barney, uma rica americana confidente de Proust, que dava festas e organizava sarais em que iam Pound, Mata Hari, Gertrude Stein, Rodin e outros.
O fio condutor da peça é o romance entre duas mulheres, a censura, em 1928, do livro "O Poço da Solidão" e o andamento do julgamento de sua proibição.
A peça é dirigida por Regina Galdino, e o cenário é inspirado no movimento cubista. O figurino foi entregue a sete figurinistas brasileiros (Lino Villaventura, Lorenzo Merlino, Jeziel Moraes, Estela Alcântara, Raquel Centeno, Caio Gobbi e Mário Queirós), já que cada uma das personagens vestia roupas de diferentes figurinistas -Djuna Barnes vestia Chanel, por exemplo.

Folha - O tema lesbianismo é recorrente em sua obra?
Vange Leonel -
Desde os 16 anos, a família e os amigos sabem que sou lésbica. Resolvi assumir publicamente quando gravei um disco independente. Mas a gravadora achava que não valia a pena "sair do armário". As pessoas têm medo de levantar bandeira; eu, não. Mas a militância não faz mais a minha cabeça. Quero usar o tema para o meu trabalho.

Folha - Existe um boom de peças e filmes que tratam desse assunto?
Vange -
Existe uma espécie de reserva de mercado. Na TV, ainda não se pode beijar, a coisa é restrita. Está rolando mais o assunto, porque é a única maneira de acabar com o preconceito. Tem de mostrar que uma relação homossexual é tão banal quanto qualquer outra. É dos últimos bastiões a serem desenvolvidos, que esbarra na questão da moralidade. As igrejas barram a discussão, acusam os homossexuais de degenerados. Não existe uma tolerância para aceitar o diferente. O homossexual é retratado de maneira caricata. A sociedade em geral não conhece todas as nuanças.

Folha - A peça não corre o risco de ser vista como panfletária?
Vange -
Tem uma cena da minha peça em que as personagens erguem um brinde a Platão, Safo, Maria Antonieta, supostos homossexuais e gênios. Mas uma delas diz: "No caso da Maria Antonieta, gênio terrível". Na peça, há uma polifonia: umas personagens glorificam e outras acham uma bobagem glorificar. Procurei não colocar minha posição.

Folha - Por que mostrar uma história da década de 20, em Paris?
Vange -
Queria muito mostrar as histórias dessas escritoras esquecidas. A Radclyffe Hall já era uma escritora de prestígio e resolveu escrever "O Poço da Solidão", sobre o amor de duas mulheres. Até então, os homossexuais eram retratados como decadentes. Ela foi a primeira a apresentar um personagem moralmente digno e sólido. Em 28, apareceram seis livros sobre homossexualidade, inclusive "Orlando". Paris viveu, na década de 20, uma época em que lésbicas circulavam de braços dados, davam beijos na boca.

Folha - Há mais tolerância no Brasil, hoje em dia?
Vange -
O Brasil está mais tolerante. Há mais discussão, há muitos programas de TV. As pessoas se sentem mais informadas.

Folha - A militância no Brasil é diferente da dos EUA?
Vange -
No Brasil, a gente se mistura muito, as pessoas são indefinidas e desorganizadas. Nos EUA, são mais atuantes. Mas os bissexuais sofrem por não fazerem parte de um grupo determinado. O termo GLS é bem brasileiro.


Espetáculo: As Sereias da Rive Gauche Quando: de hoje a 20 de julho (ter., qua. e qui., às 21h30) Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611) Quanto: R$ 12


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