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Vange Leonel estréia peça sobre lésbicas dos anos 20
MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No teatro ou no cinema, o homossexualismo é o tema da vez.
Autores elegem personagens gays
para conduzirem suas tramas,
muitas delas salientando a discriminação e a intolerância que sofrem aqueles que têm a opção sexual pelo mesmo gênero.
Desta vez, sete personagens lésbicas estarão no palco do Centro
Cultural São Paulo para dar vida à
peça "As Sereias da Rive Gauche",
da cantora e escritora Vange Leonel, 37.
Vange começou a carreira com
a banda de rock Nau. Investiu numa careira solo, emplacando a
música "Noite Preta", em 91. Viveu uma superexposição e teve os
conflitos de praxe com uma grande gravadora, que exigia um trabalho mais comercial e a desencorajava a assumir publicamente
sua opção sexual.
Mas foi escrevendo uma coluna
em uma revista voltada para o público gay e publicando o livro
"Lésbicas" (Planet Gay Books)
que ela amadureceu sua militância, seguindo os preceitos da luta
para neutralizar o preconceito:
orgulho e visibilidade.
Para homenagear (orgulho) e
recuperar a história (visibilidade)
de lésbicas notórias, como as escritoras Djuna Barnes ("Almanaque das Senhoras") e Radclyffe
Hall ("O Poço da Solidão"), Vange escreveu o espetáculo "As Sereias da Rive Gauche".
A peça se passa em Paris, nos
anos 20, em torno do grupo criado por Natalie Barney, uma rica
americana confidente de Proust,
que dava festas e organizava sarais em que iam Pound, Mata Hari, Gertrude Stein, Rodin e outros.
O fio condutor da peça é o romance entre duas mulheres, a
censura, em 1928, do livro "O Poço da Solidão" e o andamento do
julgamento de sua proibição.
A peça é dirigida por Regina
Galdino, e o cenário é inspirado
no movimento cubista. O figurino
foi entregue a sete figurinistas
brasileiros (Lino Villaventura, Lorenzo Merlino, Jeziel Moraes, Estela Alcântara, Raquel Centeno,
Caio Gobbi e Mário Queirós), já
que cada uma das personagens
vestia roupas de diferentes figurinistas -Djuna Barnes vestia
Chanel, por exemplo.
Folha - O tema lesbianismo é recorrente em sua obra?
Vange Leonel - Desde os 16 anos,
a família e os amigos sabem que
sou lésbica. Resolvi assumir publicamente quando gravei um
disco independente. Mas a gravadora achava que não valia a pena
"sair do armário". As pessoas têm
medo de levantar bandeira; eu,
não. Mas a militância não faz mais
a minha cabeça. Quero usar o tema para o meu trabalho.
Folha - Existe um boom de peças e
filmes que tratam desse assunto?
Vange - Existe uma espécie de
reserva de mercado. Na TV, ainda
não se pode beijar, a coisa é restrita. Está rolando mais o assunto,
porque é a única maneira de acabar com o preconceito. Tem de
mostrar que uma relação homossexual é tão banal quanto qualquer outra. É dos últimos bastiões
a serem desenvolvidos, que esbarra na questão da moralidade. As
igrejas barram a discussão, acusam os homossexuais de degenerados. Não existe uma tolerância
para aceitar o diferente. O homossexual é retratado de maneira caricata. A sociedade em geral não
conhece todas as nuanças.
Folha - A peça não corre o risco de
ser vista como panfletária?
Vange - Tem uma cena da minha peça em que as personagens
erguem um brinde a Platão, Safo,
Maria Antonieta, supostos homossexuais e gênios. Mas uma
delas diz: "No caso da Maria Antonieta, gênio terrível". Na peça,
há uma polifonia: umas personagens glorificam e outras acham
uma bobagem glorificar. Procurei
não colocar minha posição.
Folha - Por que mostrar uma história da década de 20, em Paris?
Vange - Queria muito mostrar as
histórias dessas escritoras esquecidas. A Radclyffe Hall já era uma
escritora de prestígio e resolveu
escrever "O Poço da Solidão", sobre o amor de duas mulheres. Até
então, os homossexuais eram retratados como decadentes. Ela foi
a primeira a apresentar um personagem moralmente digno e sólido. Em 28, apareceram seis livros
sobre homossexualidade, inclusive "Orlando". Paris viveu, na década de 20, uma época em que lésbicas circulavam de braços dados,
davam beijos na boca.
Folha - Há mais tolerância no Brasil, hoje em dia?
Vange - O Brasil está mais tolerante. Há mais discussão, há muitos programas de TV. As pessoas
se sentem mais informadas.
Folha - A militância no Brasil é diferente da dos EUA?
Vange - No Brasil, a gente se mistura muito, as pessoas são indefinidas e desorganizadas. Nos EUA,
são mais atuantes. Mas os bissexuais sofrem por não fazerem
parte de um grupo determinado.
O termo GLS é bem brasileiro.
Espetáculo: As Sereias da Rive Gauche
Quando: de hoje a 20 de julho (ter., qua.
e qui., às 21h30)
Onde: Centro Cultural São Paulo (r.
Vergueiro, 1.000, tel. 0/xx/11/3277-3611)
Quanto: R$ 12
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