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DANÇA
Que corpo é esse?
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Os depoimentos deixam
entrever as singularidades
dos habitantes da Ilha do Cardoso
(litoral sul de São Paulo) e as reações dos bailarinos. Antes de o espetáculo começar, já se ouvem
vozes, conversas, que não são da
platéia, mas que se confundem
com as dela. Já são alguns dos
"Modos de Ver" da Cia. Oito Nova Dança, em cartaz até dia 24, no
Centro Cultural São Paulo.
Integrante mais nova do Estúdio Nova Dança, a Cia. Oito (sob a
direção de Lu Favoreto) estréia na
cidade mostrando que tem talento para figurar entre as nossas melhores companhias. A partir de
pesquisas da estrutura corporal,
os bailarinos respondem ao ambiente em que foram criados os
movimentos. As diferenças culturais sentidas pelos pesquisadores
na ilha, no contato com seus habitantes e com o meio, são mostradas de maneira peculiar. Cada
contexto interfere no significado
de traços particulares, que reciprocamente determinam o que
será seu novo contexto.
Espetáculo
A noite caminha num ritmo lento, com a calma de um tempo que
não é da cidade. Esse ritmo talvez
ainda possa ser apurado, para que
o espetáculo não corra o risco de
se dispersar. Mas os movimentos
estão bem trabalhados e vão tramando as relações da cenografia
com os depoimentos falados.
Os desenhos de estruturas ósseas, de José Romero, deixam visualizar o invisível do corpo, e os
movimentos lentos (às vezes de
cabeça para baixo, de costas ou
num levantar de tronco) fazem
eco também a esse invisível -que
é ao mesmo tempo metáfora e o
que há de mais concreto em nós.
Que corpo é esse? Uma onça,
uma estrela, um seixo, uma dança, uns ossos -um corpo que migra e responde às urgências do
mundo contemporâneo de longe
arejado pelo vento da ilha. Sons
de bola de gude rolando na peneira, prazer do redondo, perseguição do gesto pelo som.
Em cena, Celso Nascimento utiliza instrumentos de percussão e
o próprio corpo para compor a
trilha musical, em contraponto
com as falas.
Não se pode abstrair o contexto
social em que foi inspirada a coreografia. Por vezes, um sentido
pragmático, ou ingênuo mesmo,
é bastante explícito; representações estilizadas trazem em si,
também, um elemento de gratuidade.
Em outros momentos, o que se
vê são as respostas literais dos bailarinos às palavras ouvidas: um
casal atravessa o fundo do palco,
apoiados um no outro como as
raízes aéreas; a dor da cadeira (isto é, dos quadris) se concretiza em
cena pelas mãos na cadeira da
bailarina; e assim por diante.
Integração das cenas, movimentos interiorizados, pesquisa
de som. Um espetáculo que se
apresenta não só como busca da
representação do corpo, mas
também como uma investigação
de sua estrutura, relacionada ao
meio.
É um primeiro trabalho, e tanto
os gestos quanto a própria concepção do espetáculo, com certeza, ainda serão mais explorados.
Mas já é um ótimo augúrio
-mais que um augúrio-, um
ótimo início da Cia. Oito.
Modos de Ver - Cia. Oito
Onde: Centro Cultural São Paulo - sala
Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/
xx/11/3277-3611)
Quando: de qua. a sáb., às 21h30, e
dom., às 20h30; até 24/6
Quanto: R$ 8
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