São Paulo, quarta-feira, 20 de junho de 2001

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DANÇA

Que corpo é esse?

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Os depoimentos deixam entrever as singularidades dos habitantes da Ilha do Cardoso (litoral sul de São Paulo) e as reações dos bailarinos. Antes de o espetáculo começar, já se ouvem vozes, conversas, que não são da platéia, mas que se confundem com as dela. Já são alguns dos "Modos de Ver" da Cia. Oito Nova Dança, em cartaz até dia 24, no Centro Cultural São Paulo.
Integrante mais nova do Estúdio Nova Dança, a Cia. Oito (sob a direção de Lu Favoreto) estréia na cidade mostrando que tem talento para figurar entre as nossas melhores companhias. A partir de pesquisas da estrutura corporal, os bailarinos respondem ao ambiente em que foram criados os movimentos. As diferenças culturais sentidas pelos pesquisadores na ilha, no contato com seus habitantes e com o meio, são mostradas de maneira peculiar. Cada contexto interfere no significado de traços particulares, que reciprocamente determinam o que será seu novo contexto.

Espetáculo
A noite caminha num ritmo lento, com a calma de um tempo que não é da cidade. Esse ritmo talvez ainda possa ser apurado, para que o espetáculo não corra o risco de se dispersar. Mas os movimentos estão bem trabalhados e vão tramando as relações da cenografia com os depoimentos falados.
Os desenhos de estruturas ósseas, de José Romero, deixam visualizar o invisível do corpo, e os movimentos lentos (às vezes de cabeça para baixo, de costas ou num levantar de tronco) fazem eco também a esse invisível -que é ao mesmo tempo metáfora e o que há de mais concreto em nós.
Que corpo é esse? Uma onça, uma estrela, um seixo, uma dança, uns ossos -um corpo que migra e responde às urgências do mundo contemporâneo de longe arejado pelo vento da ilha. Sons de bola de gude rolando na peneira, prazer do redondo, perseguição do gesto pelo som.
Em cena, Celso Nascimento utiliza instrumentos de percussão e o próprio corpo para compor a trilha musical, em contraponto com as falas.
Não se pode abstrair o contexto social em que foi inspirada a coreografia. Por vezes, um sentido pragmático, ou ingênuo mesmo, é bastante explícito; representações estilizadas trazem em si, também, um elemento de gratuidade.
Em outros momentos, o que se vê são as respostas literais dos bailarinos às palavras ouvidas: um casal atravessa o fundo do palco, apoiados um no outro como as raízes aéreas; a dor da cadeira (isto é, dos quadris) se concretiza em cena pelas mãos na cadeira da bailarina; e assim por diante.
Integração das cenas, movimentos interiorizados, pesquisa de som. Um espetáculo que se apresenta não só como busca da representação do corpo, mas também como uma investigação de sua estrutura, relacionada ao meio.
É um primeiro trabalho, e tanto os gestos quanto a própria concepção do espetáculo, com certeza, ainda serão mais explorados. Mas já é um ótimo augúrio -mais que um augúrio-, um ótimo início da Cia. Oito.


Modos de Ver - Cia. Oito
   
Onde: Centro Cultural São Paulo - sala Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/ xx/11/3277-3611)
Quando: de qua. a sáb., às 21h30, e dom., às 20h30; até 24/6
Quanto: R$ 8




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