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GASTRONOMIA
Um purê de batata mui famoso
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Não conheço o Joël Robuchon, assim, cara a cara. O
que sei vem de Patricia Wells em
pessoa e de livros e revistas. Acabei de ler um poema de Emily
Dickinson que começa assim:
"How well I knew her not" (Quão
bem eu não a conhecia). É mais
ou menos isso.
Joël Robuchon está aqui presidindo o júri do Gourmet Show da
Fispal. Um momento e tanto, pois
os próprios pares o elegeram o
melhor cozinheiro da França, e o
guia Gault Millau, cozinheiro do
século.
Começou os estudos em Poîtiers e pelo que me lembro ajudava as freiras do seminário na cozinha delas, pouco inspirada. A certa altura, por problemas familiares, parou de estudar, mas alguma
coisa naqueles primeiros anos o
fisgara. Resolveu ser cozinheiro.
Ganhando concursos, aprendendo, foi uma revelação, quase um
prodígio. Teve como mentores
confessados Jean Delaveyne, um
professor -pai, meilleur ouvrier
de France. O filho de Delaveyne,
ao se decidir por uma carreira, decepciona o pai. Escolhe a sala, e
não a cozinha, numa época em
que as relações entre os dois setores era tensa (E não o é, sempre? A
copa e a cozinha às turras?). Delaveyne tinha o coração aberto para
transmitir conhecimentos a filhos
postiços e ensina a Robuchon a
necessidade de inventar e de criar.
Outra influência foi Alain Chapel, que em 1979 esteve aqui para
algumas demonstrações seguidas
de jantares. Fez uma única exigência. Manteiga, boa manteiga.
Mandaram vir da fazenda um
enorme tijolo que foi pousado no
mármore sem causar nenhum espanto. Precisava dele para seus
purês, que eram uma revelação
no setor purê. O segredo? A manteiga, mais manteiga que batata,
mais manteiga que cenoura. Mais
tarde o purê de batata de Robuchon também ficará célebre, mas
era diferente do outro. Visguento.
Alain Chapel dizia: "A comida
de um homem é seu reflexo", e
morreu cedo de tanto trabalhar
esse reflexo. Robuchon já emendava: "Minha felicidade está em
preparar a comida que gosto, se
os outros a apreciam ou não, isso
me é indiferente". Hum?
Abre o primeiro restaurante
próprio em 1981, comprando o
Chez Jamin, famoso nos anos 60.
Cinco anos depois, está com três
estrelas. Torna-se a coqueluche de
Paris.
Acontece que os restaurantes
com muitas estrelas não dão dinheiro. É tudo muito caro. Para
que o chef tenha alguma independência, é preciso ganhar a vida
abrindo outras portas de outros
mundos. Geralmente aparecem
duas opções. Contratos fora da
França para aulas, demonstrações, consultorias e restaurantes
em outros países com seus nomes, sob suas direções. A outra é a
indústria agroalimentar, juntando o nome célebre e sua comida a
um grande patrocinador. Robuchon trilhou os dois caminhos.
Jean Delaveyne e Bocuse puxam
o cordão de franceses que vão para o Japão, influenciam e são influenciados. Robuchon segue os
amigos, ele que já se impressionava com o sentimento de dever e
alta qualidade do trabalho japonês. Abre em Tóquio o Château-Restaurant Taillevent Robuchon.
Em meados de 90 está em todos
os jornais e revistas envolvido numa polêmica de dar água na boca.
A famosa "guerre des chefs". A
própria imprensa, os sindicatos
põem lenha na fogueira. "Os dois
chefs de maior prestígio atual, Joël
Robuchon e Alain Ducasse, reuniram-se com outros cozinheiros
famosos, todos estrelados três vezes pelo guia Michelin, para defender a cozinha francesa." O comunicado falava em produtos da
terra, cozinha de mãe e de avó,
tradições de técnicas culinárias e
mais ou menos decretava parâmetros para a verdadeira cozinha
francesa, que deveria brilhar pela
simplicidade e buscar inspiração
na memória.
Foi um deus-nos-acuda. Chefs
são uma raça que se ofende à toa.
Uns achavam a proposta malformulada, outros se sentiram apunhalados pelas costas (Pierre Gagnaire e Marc Veyrat). Imagino
que Robuchon e Ducasse estariam se insurgindo contra os
maus cozinheiros, mas a confusão estava armada. Robuchon se
explica, lamenta o cisma, mas não
renega o conteúdo do manifesto.
Aposenta-se ainda jovem da
profissão de restaurateur. Faz
consultorias e brilha na TV. Eu, cá
por mim, contento-me com sua
saladinha de ervas, cerefólio, sálvia, estragão, manjericão, manjerona, salsa, hortelã e mais algumas verduras cortadas em pedaços menores. Sem esquecer as
trufas. E seu purê visguento. Só
eles já valeriam todo o banzé de
uma vida.
ninahort@uol.com.br
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