São Paulo, segunda-feira, 20 de junho de 2005

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Terra de ninguém

Marie Ange Bordas
Foto que integra a mostra "Deslocamentos", no Centro Cultural da Justiça Federal


Mostra "Deslocamentos", no Rio, examina experiências e identidades de refugiados

FERNANDA MENA
DA SUCURSAL DO RIO

"Onde é o seu lar?" Foi com essa pergunta que uma jovem refugiada etíope despertou a artista plástica brasileira Marie Ange Bordas para a sensação de desprendimento experimentada pelos 17 milhões de refugiados que estão afastados de seus territórios de origem. Eles são lembrados na data de hoje, adotada pela Organização das Nações Unidas como o Dia Mundial dos Refugiados.
Na hora de dar uma resposta à jovem refugiada, Bordas se sentiu sem casa. O motivo era simples: suas andanças mundo afora a mantinham em trânsito há anos. De Porto Alegre a São Paulo, dali a Paris e então a Nova York, Johannesburgo, Austrália e Quênia.
A jovem etíope de apenas 11 anos, depois de perder sua casa, aguardava na capital sul-africana, Johannesburgo, a determinação de seu próximo destino -que viria a ser um asilo no Canadá.
"Muito diferente de mim, ela não escolhera deixar o seu país. Para ela, a palavra "casa" significava um lugar para onde ela não podia voltar. Para mim, significava um lugar ainda a ser construído", escreveu ela sobre o episódio.
É justamente a partir dessa experiência de deslocamento empreendida a contragosto por refugiados do mundo todo que Bordas desenvolveu um projeto no qual, ao longo de três anos, conviveu com pessoas que, após viverem situações dramáticas, deixaram seus países e foram para Johannesburgo (África do Sul) e Massy (França) ou aguardavam vaga num campo de refugiados em Kakuma, no Quênia.
O resultado desse trabalho está na exposição "Deslocamentos", que integra o FotoRio 2005, no Centro Cultural Justiça Federal até 31 de julho. A exposição chega a São Paulo em março de 2006.
A mostra reúne 20 fotos e trilhas sonoras feitas durante o projeto na África e na França, criando um ambiente multissensorial.
Nas imagens, a artista aplica mapas das regiões do continente africano devastadas pela fome e pela guerra sobre os corpos dos refugiados com quem conviveu, como se a geografia se transformasse em cicatriz. Ao associar território e habitantes, Bordas produz uma estética da terra de ninguém, devastada pelas chagas que a própria humanidade criou.
Durante o desenvolvimento do projeto que deu origem à exposição, a artista empreendeu oficinas de vídeo, foto e música com refugiados, resgatando, em relatos orais e em criações coletivas, um pouco da identidade conturbada pela mobilidade forçada.
De crianças do Congo vítimas da guerra a refugiados políticos do Haiti e de Bangladesh, Bordas convidou todos a participar do que chama de "processo criativo conjunto". Apurou suas técnicas de tradução -teve alunos de mais de dez nacionalidades diferentes- e mergulhou na crença de que a criação artística pode ser o melhor instrumento para a recriação de um mundo pessoal.
Mais do que dar visibilidade à questão dos refugiados, Bordas queria promover uma inclusão de fato, participativa. "Em "Deslocamentos", os refugiados foram parceiros de criação, o que tem muito a ver com um discurso que tenho de estar com as pessoas no lugar de apenas falar sobre as pessoas."
Como lidar com o fato de não ter mais casa? Como plantar novas raízes quando as suas foram cortadas? Nas oficinas, a artista se viu às voltas com essas questões e com gente de trajetória marcada pela impossibilidade do retorno.
"Os deslocamentos de populações no mundo de hoje pedem uma mudança de paradigmas em relação às idéias de pátria, de pertencimento e de lar", analisa.
Nas imagens, Bordas investiga quais as marcas deixadas pela partida e pela experiência do desterro em gente que teve de aprender da pior forma a carregar seu lar dentro do próprio corpo.

Descolamentos
Quando: de ter. a dom., das 12h às 19h
Onde: Centro Cultural da Justiça Federal (av. Rio Branco, 241, centro, Rio, tel. 0/ xx/21/3212-2550)
Quanto: entrada franca



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