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"Meninos de agora são uns intolerantes"
DA REPORTAGEM LOCAL
Medíocres, ignorantões,
equivocados. João Gordo não
mede palavras para qualificar
os punks brasileiros de hoje
-os mesmos que o acusam de
traição e que engrossam passeatas contra o governo de Fernando Henrique Cardoso, a
globalização, os corruptos e a
miséria.
Na entrevista que concedeu à
Folha há duas semanas, em São
Paulo, o cantor atacou muitas
das atitudes incorporadas pelos jovens representantes do
movimento. Condutas que,
ironicamente, o próprio João já
adotou.
(AA)
João Gordo - Hoje, mano, o
movimento punk do Brasil é
medíocre. Bem pior que o do
meu tempo, tá ligado? Experimente rodar pelo centro de São
Paulo. Você ainda verá aqueles
seres horrendos, usando jaquetas de napa e cabelos espetados.
Folha - Seres horrendos, João?
Na década de 80, você se vestia
de modo parecido.
Gordo - Eu sei. Só que éramos
diferentes. Íamos atrás de informação. Trocávamos discos
e idéias com punks de outros
países, da Alemanha, da Finlândia. Os meninos de agora
não passam de uns ignorantões, que se proclamam anárquicos, libertários, mas são tão
intolerantes quanto qualquer
fascista, tá ligado? Há exceções,
claro. A maioria, porém, adora
posar de polícia ideológica.
Basta alguém se destacar, lançar CD, arrumar umas turnês
para eles tacharem de traidor,
capitalista, playboy. Os caras de
hoje são intransigentes.
Folha - Vocês também eram.
Gordo - É... Eu era mesmo um
grande filho da puta, mano.
Radicalzão. Acontece que, nos
anos 70 e 80, a gente estava na
época certa, entende? Por mais
toscos que fôssemos, espelhávamos exatamente o que acontecia aqui e lá fora. Hoje os caras vivem um tremendo mal-entendido. Não sei qual é a dos
moleques. Eles fazem protesto
em Brasília, atiram pedra, mas,
quando você pergunta o porquê de tanto quebra-quebra,
não sabem responder. Só sabem que têm de "potrestá".
"Eu quero potrestá!" [imita o
sotaque nordestino" Os caras
estão equivocados. Acreditam
em utopia. Imaginam que irão
mudar o mundo.
Folha - Insisto, João: vocês
também imaginavam.
Gordo - Certo. Mas o tempo
passa, tá ligado? E você se adapta. Esses caras de agora pensam
o quê? Falam contra o capitalismo, só que é tudo ladainha.
Precisam do capitalismo. Sem
o capitalismo, não sobrevivem.
Vão comer bosta? Aposto que
os moleques ainda moram
com as mães e se tornaram um
peso para as velhas. Marmanjo
morando na casa da velha... Eu,
mano, deixei de ser trouxa. Estou na correria e não vou patinar na merda como eles. Podia
continuar radical e fodido. Não
vou. Quando você fica mais
adulto, acaba maleando um
pouco.
Folha - Em resumo, você quer
dizer que punk é coisa de jovem?
Gordo - Praticamente, cara,
praticamente.
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