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"WALTERCIO CALDAS"
Catálogo adianta compreensão do artista
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
O trabalho de Waltercio
Caldas, mesmo revelando
uma linguagem característica,
não oferece facilidades do seu entendimento global. Apegada ao
presente, sua escultura se resvala
na generalização. Em um só momento, sua exposição retrospectiva no CCBB do Rio e a monografia sobre seu trabalho, lançada pela Cosac & Naify, parecem adiantar essa compreensão, revelando
muito de suas possibilidades e dificuldades.
As formas, quando bem definidas por Waltercio Caldas, aparecem como idéias de formas que
tomam lugar das coisas. Nesse
universo onde tudo parece se
mostrar transparente é que trabalha Waltercio, sorrindo de tamanha segurança, ele realiza a experiência jogando com o que é turvo
no conceito. Tendo isso posto, a
reprodução dessas obras, tão particulares, em livro também se torna uma questão: como potencializar a reprodução, que se proclama como símile dos objetos?
Em outras oportunidades já foi
enfatizada a dificuldade de reproduzir os trabalhos deste escultor
carioca. Ligia Canongia, no texto
de apresentação do catálogo, se
detém sobre a resistência que as
obras oferecem ao olhar fotográfico. O vazio que zumbe entre os
fios de aço de suas últimas esculturas enfatiza um silêncio que resiste a mergulhar no mundo e,
apesar de se realizar no espaço,
mantém uma sustentação e um
instante próprios à obra.
É extremamente elucidativo o
modo como Paulo Sérgio Duarte,
em seu ensaio para o livro, aborda
essa relação difícil de Waltercio
Caldas com a idéia do reprodutível. Analisando o livro do artista
Velázquez, o crítico interpreta a
opacização do campo pictórico
operada por Waltercio Caldas,
que embaça o quadro e retira os
personagens de cena como uma
distinta forma de evidenciar. Só
que a evidência aqui não busca ser
fidedigna à obra do mestre espanhol, duvida da imagem transparente, a engana e compõe daí. A
arte cria a experiência possível de
um mundo opaco.
É no interior dessa dubiedade
que o livro será ordenado tendo
como plano de organização o
denso texto de Duarte. Amarrado
ao escrito, uma sucessão de imagens de diversas épocas sustenta
um diálogo entre implicações várias da obra, mostrando como o
ceticismo ótico e esperançoso do
artista pode ser tomado como elemento ordenador de seu trabalho,
organizando-o e potencializando
um sem-número de desdobramentos.
Ao atuar sobre um olhar desatento, suas esculturas parecem se
manter estáveis. Bem acabadas,
elas contornam o vazio e sugerem
volumes, mas, ao retirar toda a
hierarquia dos elementos, transformando-as em contorno plano
que ocupa lugar no espaço, traz à
tona o inusitado "como se víssemos pela primeira vez". A significação aparece aquém da experiência, mas o artista retira leite de
pedra com senso de humor.
"Entre a experiência e a idéia"
(p.104), como reforça Duarte, o
desmentido do contorno não se
contenta em descriminar a opacidade da linguagem, que poderia o
colocar em uma empenhada, por
vezes enganosa, busca do concreto, do genuíno. Ao contrário, o escultor busca reverter esse engessamento transformando-o em
gesto artístico.
A obra destoa do mundo, com
sua introspecção silenciosa, encontrando nas suas fissuras uma
experiência mais elevada, oposta
à banalidade inquestionável da
imagem. Ensinando uma promissora possibilidade de conviver
com o real. Em um tom inaudito o
artista ri, na alegria que existe em
duvidar dos conformes.
Waltercio Caldas
Autores: Waltercio Caldas e Paulo
Sérgio Duarte
Lançamento: Cosac & Naify
Quanto: R$ 220 (304 págs.)
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