São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2001

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"WALTERCIO CALDAS"

Catálogo adianta compreensão do artista

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

O trabalho de Waltercio Caldas, mesmo revelando uma linguagem característica, não oferece facilidades do seu entendimento global. Apegada ao presente, sua escultura se resvala na generalização. Em um só momento, sua exposição retrospectiva no CCBB do Rio e a monografia sobre seu trabalho, lançada pela Cosac & Naify, parecem adiantar essa compreensão, revelando muito de suas possibilidades e dificuldades.
As formas, quando bem definidas por Waltercio Caldas, aparecem como idéias de formas que tomam lugar das coisas. Nesse universo onde tudo parece se mostrar transparente é que trabalha Waltercio, sorrindo de tamanha segurança, ele realiza a experiência jogando com o que é turvo no conceito. Tendo isso posto, a reprodução dessas obras, tão particulares, em livro também se torna uma questão: como potencializar a reprodução, que se proclama como símile dos objetos?
Em outras oportunidades já foi enfatizada a dificuldade de reproduzir os trabalhos deste escultor carioca. Ligia Canongia, no texto de apresentação do catálogo, se detém sobre a resistência que as obras oferecem ao olhar fotográfico. O vazio que zumbe entre os fios de aço de suas últimas esculturas enfatiza um silêncio que resiste a mergulhar no mundo e, apesar de se realizar no espaço, mantém uma sustentação e um instante próprios à obra.
É extremamente elucidativo o modo como Paulo Sérgio Duarte, em seu ensaio para o livro, aborda essa relação difícil de Waltercio Caldas com a idéia do reprodutível. Analisando o livro do artista Velázquez, o crítico interpreta a opacização do campo pictórico operada por Waltercio Caldas, que embaça o quadro e retira os personagens de cena como uma distinta forma de evidenciar. Só que a evidência aqui não busca ser fidedigna à obra do mestre espanhol, duvida da imagem transparente, a engana e compõe daí. A arte cria a experiência possível de um mundo opaco.
É no interior dessa dubiedade que o livro será ordenado tendo como plano de organização o denso texto de Duarte. Amarrado ao escrito, uma sucessão de imagens de diversas épocas sustenta um diálogo entre implicações várias da obra, mostrando como o ceticismo ótico e esperançoso do artista pode ser tomado como elemento ordenador de seu trabalho, organizando-o e potencializando um sem-número de desdobramentos.
Ao atuar sobre um olhar desatento, suas esculturas parecem se manter estáveis. Bem acabadas, elas contornam o vazio e sugerem volumes, mas, ao retirar toda a hierarquia dos elementos, transformando-as em contorno plano que ocupa lugar no espaço, traz à tona o inusitado "como se víssemos pela primeira vez". A significação aparece aquém da experiência, mas o artista retira leite de pedra com senso de humor.
"Entre a experiência e a idéia" (p.104), como reforça Duarte, o desmentido do contorno não se contenta em descriminar a opacidade da linguagem, que poderia o colocar em uma empenhada, por vezes enganosa, busca do concreto, do genuíno. Ao contrário, o escultor busca reverter esse engessamento transformando-o em gesto artístico.
A obra destoa do mundo, com sua introspecção silenciosa, encontrando nas suas fissuras uma experiência mais elevada, oposta à banalidade inquestionável da imagem. Ensinando uma promissora possibilidade de conviver com o real. Em um tom inaudito o artista ri, na alegria que existe em duvidar dos conformes.


Waltercio Caldas
    
Autores: Waltercio Caldas e Paulo Sérgio Duarte
Lançamento: Cosac & Naify
Quanto: R$ 220 (304 págs.)




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