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No livro "Raízes do Riso", historiador investiga importância do humor no Brasil durante a Belle Époque
De repente do riso fez-se o pranto
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
"É certo que a República vai torta;/ Ninguém nega a duríssima
verdade./ Da pátria o seio a corrupção invade./ E a lei, de há muito tempo, é letra morta."
De uma tacada só, o humorista
pernambucano Bastos Tigre
(1882-1957) quis atingir, no pequeno "poema-piada" acima, não
só a República. Em seu escopo estavam também o formato tradicional da poesia e o uso da língua.
O papel que a representação humorística teve no Brasil durante a
Belle Époque é o tema de "Raízes
do Riso", do historiador Elias
Thomé Saliba. O livro é uma
adaptação de sua tese de livre-docência, defendida na USP.
A Belle Époque, expressão que
já carrega em si uma dose de ironia (bela época para quem?), foi
um período de ruptura e transformação no mundo -devido à revolução tecnológica- e no Brasil
-com o advento da República-
e que produziu, de um modo geral, um conjunto de novas expectativas e frustrações na sociedade.
"Foi um resumo do que seria o
século 20", disse Saliba em entrevista à Folha. "A história brasileira só segregou, não criou uma
identidade autêntica e duradoura,
e a Belle Époque foi um período
em que diferenças se acentuaram." Daí, para o autor, a importância da análise da representação
humorística num período de
transformações e de muita instabilidade. "O humor dá ao brasileiro, desde aquela época, por efêmeros momentos -pois a piada
é algo efêmero- uma sensação
de pertencimento que a esfera política lhe subtrai", diz.
A pesquisa estuda o trabalho de
humoristas cariocas e paulistas.
Enquanto os primeiros são mais
identificados com um humor que
satirizava o que o autor chama de
"desilusão republicana", os paulistas buscaram a criação de uma
linguagem para entender a identidade paulistana, o crescimento da
cidade e incorporando, principalmente, a questão da imigração.
Em ambas as cidades, o embate
entre os humoristas e os círculos
literários da elite foi duro, especialmente em São Paulo, onde a
comédia foi bombardeada inicialmente por Olavo Bilac (que veio à
capital paulista em 1915 iniciar
sua campanha nacionalista) e depois pelos modernistas que integraram a Semana de 22.
O livro evoca o clássico "Raízes
do Brasil" (1936), de Sérgio Buarque de Holanda. "Quis entender o
riso ligado à vida de uma sociedade. Sérgio Buarque sempre dizia
que a metáfora do cordial era por
ele utilizada no sentido de coração, tratando-o como sede de sentimentos, bons ou maus."
Saliba entende que a representação humorística brasileira hoje
ainda está aprisionada a uma ética emotiva ligada ao passado. "Ela
nasce para compensar um déficit
emocional em relação ao sentido
da nossa história." E complementa: "Nesse sentido, a lição de Sérgio Buarque é também libertária,
pois as raízes históricas devem ser
bem conhecidas para que a história possa ser transformada".
RAÍZES DO RISO - de: Elias Thomé
Saliba. Editora: Companhia das Letras.
Quanto: R$ 39,50 (359 págs.).
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