São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No livro "Raízes do Riso", historiador investiga importância do humor no Brasil durante a Belle Époque

De repente do riso fez-se o pranto

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

"É certo que a República vai torta;/ Ninguém nega a duríssima verdade./ Da pátria o seio a corrupção invade./ E a lei, de há muito tempo, é letra morta."
De uma tacada só, o humorista pernambucano Bastos Tigre (1882-1957) quis atingir, no pequeno "poema-piada" acima, não só a República. Em seu escopo estavam também o formato tradicional da poesia e o uso da língua.
O papel que a representação humorística teve no Brasil durante a Belle Époque é o tema de "Raízes do Riso", do historiador Elias Thomé Saliba. O livro é uma adaptação de sua tese de livre-docência, defendida na USP.
A Belle Époque, expressão que já carrega em si uma dose de ironia (bela época para quem?), foi um período de ruptura e transformação no mundo -devido à revolução tecnológica- e no Brasil -com o advento da República- e que produziu, de um modo geral, um conjunto de novas expectativas e frustrações na sociedade.
"Foi um resumo do que seria o século 20", disse Saliba em entrevista à Folha. "A história brasileira só segregou, não criou uma identidade autêntica e duradoura, e a Belle Époque foi um período em que diferenças se acentuaram." Daí, para o autor, a importância da análise da representação humorística num período de transformações e de muita instabilidade. "O humor dá ao brasileiro, desde aquela época, por efêmeros momentos -pois a piada é algo efêmero- uma sensação de pertencimento que a esfera política lhe subtrai", diz.
A pesquisa estuda o trabalho de humoristas cariocas e paulistas. Enquanto os primeiros são mais identificados com um humor que satirizava o que o autor chama de "desilusão republicana", os paulistas buscaram a criação de uma linguagem para entender a identidade paulistana, o crescimento da cidade e incorporando, principalmente, a questão da imigração.
Em ambas as cidades, o embate entre os humoristas e os círculos literários da elite foi duro, especialmente em São Paulo, onde a comédia foi bombardeada inicialmente por Olavo Bilac (que veio à capital paulista em 1915 iniciar sua campanha nacionalista) e depois pelos modernistas que integraram a Semana de 22.
O livro evoca o clássico "Raízes do Brasil" (1936), de Sérgio Buarque de Holanda. "Quis entender o riso ligado à vida de uma sociedade. Sérgio Buarque sempre dizia que a metáfora do cordial era por ele utilizada no sentido de coração, tratando-o como sede de sentimentos, bons ou maus."
Saliba entende que a representação humorística brasileira hoje ainda está aprisionada a uma ética emotiva ligada ao passado. "Ela nasce para compensar um déficit emocional em relação ao sentido da nossa história." E complementa: "Nesse sentido, a lição de Sérgio Buarque é também libertária, pois as raízes históricas devem ser bem conhecidas para que a história possa ser transformada".


RAÍZES DO RISO - de: Elias Thomé Saliba. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 39,50 (359 págs.).


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Desequilíbrio
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.