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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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Arrecadação de direitos autorais dobra enquanto mercado vive crise; desconhecidos integram ranking dos que mais faturam

Agoniza, mas não morre

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Como no samba de Nelson Sargento, a música anda em pique de "agoniza, mas não morre".
A bordo de uma situação de pânico que tem dimensões mundiais, a indústria brasileira de discos vive uma das mais fundas de suas crises -de 1997 para 2002, as gravadoras perderam 38% de seu faturamento em moeda local, com perda real acumulada de 56%. A pirataria já devora 59% do mercado, segundo estimativa da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos).
Mas nesse deserto há um estranho oásis: também entre 1997 e 2002, a arrecadação de direitos autorais pelo consumo de músicas em público deu um forte salto e cresceu 55%.
Levantamentos recentes demonstram que quem mais lucrou com direitos autorais no primeiro semestre de 2003 foram medalhões da MPB com 30 ou 40 anos de estrada. O pódio dos autores mais executados em rádio está ocupado, nesta ordem, por Roberto Carlos, Djavan, Caetano Veloso, Erasmo Carlos e Chico Buarque.
Estranho no ninho, surge em sexto o carioca Jorge Vercilo, 33, que supera o ministro Gilberto Gil e encabeça uma lista de nomes em geral pouco conhecidos, mas que arrecadam muito por compor músicas para ídolos sertanejos e populares.
É habitual que autores de gêneros da moda tomem os primeiros postos nesse tipo de ranking, como aconteceu por anos com Leandro Lehart (do Art Popular), hoje desaparecido das listas junto com o pagode dos 90.
Porém, em períodos de escassez de novos modismos alavancados por gravadoras e de novos talentos em geral, acaba sobrando para robertos e caetanos, que possuem centenas de composições rodando nas rádios de forma mais ou menos constante.

Tiroteio
A arrecadação de direitos pela execução de músicas em rádios, TVs, shows e espaços públicos em geral é centralizada no Brasil pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).
O escritório, uma entidade privada criada por lei federal em 1973 e gerida por associações de compositores, atribui a melhora à modernização iniciada em 1997 pela gestão de Glória Braga, 38, em sua superintendência.
A arrecadação em alta não significa que, nos bastidores, o clima seja de paz. Entre cerca de 30 artistas e titulares de direitos ouvidos pela Folha, é quase consensual a impressão de que o Ecad -que já foi até motivo de CPI, no início dos anos 90- vem mesmo melhorando no correr dos anos.
Mas poucos autores afirmam sentir diretamente o efeito do aumento de 55% na arrecadação. "Infelizmente meu bolso não sentiu esse aumento. Para mim está igual", afirma Fernanda Abreu.
Alternando elogios e críticas ao Ecad, o sambista Nei Lopes define sua impressão geral sobre a instituição: "É o chamado mal necessário, como um necrotério ou um presídio. Já pensou se essas coisas não existissem?".

Imagem
De dentro do próprio escritório, Glória Braga admite a má imagem de que gozam atualmente as instituições musicais brasileiras, Ecad incluído. "Não acho que essa imagem seja injusta. As instituições musicais têm que fazer um grande mea-culpa, porque nunca tentaram explicar o que fazem."
"O que o Ecad faz hoje é, permanentemente, tentar explicar", completa, dizendo que muitos artistas desconhecem por completo os mecanismos da arrecadação.
Alguns fazem acusações frontais, como é o caso de Kika Seixas, ex-mulher e administradora de parte do espólio de Raul Seixas, um tradicional bom arrecadador:
"Tenho conhecimento de arrecadação de shows de artistas com que trabalho que jamais chegaram aos autores, porque os fiscais recebem propina dos donos de casas ou simplesmente dizem que a casa estava vazia. Recolher eles recolhem, mas distribuir...".
Glória Braga sabe que essa é uma suspeita frequente que pesa sobre o Ecad. "Minha resposta é sempre a mesma: nenhum fiscal do Ecad é treinado para pedir dinheiro de ninguém. Se nos passarem o nome da pessoa que fez isso, ela será demitida por justa causa", afirma, lamentando o silêncio de quem se sente lesado.


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