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TEATRO/CRÍTICA
"Navalha na Carne" perfura o preconceito
SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
A exemplo de Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, aos
poucos, vai se tornando um clássico, ou seja: sem perder a urgência da denúncia, já que as condições de vida dos excluídos se
mantêm subumanas, os diretores
começam a transcender nas montagens o limite do naturalismo.
Não que as regras escritas desses gêneros sejam nocivas ou superadas. Mas o que fascina em
Plínio é a liberdade de manter as
unidades de tempo, lugar e tema
sem perder a ternura jamais, chegando ao poético por meio do sociológico. Em "Navalha na Carne", o conflito entre a prostituta
Neusa Sueli e seu cafetão Vado,
em torno do homossexual Veludo, estabelece um jogo de humilhações e seduções cíclicas, cujo
olho do furacão é o solilóquio
quase shakespeariano da prostituta: "Será que eu sou gente?".
A direção de Bhá Bocchi Prince,
escolhida para representar Rio
Preto no festival, soube tirar partido da crueza da "fatia de vida", incomodando com a performance
ultra-realista dos atores sem descuidar da estética. Assim, a platéia
reduzida a 25 pessoas é convidada
a dividir um clautrofóbico quarto,
como em uma locação de cinema.
Há ainda uma ingenuidade no excesso de realismo dos tapas e no
excesso de estilização dos figurinos, mas o projeto inteligente de
luz e a boa concentração dos atores, com destaque para o Vado de
Edvaldo Vitorino, impõem respeito. A triplicação de Neusa nas
atuações de Bia Moreti, Marcia
Mota e Joice Zorzi faz perder um
pouco o fio da meada, mas o cuidado nas cenas de troca acaba remetendo à sua condição descartável.
A grande maturidade da montagem está em romper o paternalismo para encarnar as condições
de vida de ricos, com suas dores e
volúpias, ultrapassando os preconceitos. Os pais que se preocupam com o fato de os filhos estarem numa profissão que remete
ao homossexualismo, prostituição e drogas poderão descobrir
aqui que esta é a causa do teatro:
abrir essas feridas, sim, e na própria carne, mas para resgatar a
dignidade de todos. Somos todos
gente como Neusa Sueli.
O crítico Sergio Salvia Coelho e a repórter-fotográfica Lenise Pinheiro viajaram a convite da organização do Festival Internacional de Rio Preto
Navalha na Carne
Direção: Bhá Bocchi Prince
Quando: hoje, amanhã e sexta, às 23h
Onde: Casa de Cultura (pça. Cacilda
Becker, s/nš, tel. 0/ xx/17/3236-3366)
Quanto: R$10
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