São Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 2005

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TEATRO/CRÍTICA

"Navalha na Carne" perfura o preconceito

SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

A exemplo de Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, aos poucos, vai se tornando um clássico, ou seja: sem perder a urgência da denúncia, já que as condições de vida dos excluídos se mantêm subumanas, os diretores começam a transcender nas montagens o limite do naturalismo.
Não que as regras escritas desses gêneros sejam nocivas ou superadas. Mas o que fascina em Plínio é a liberdade de manter as unidades de tempo, lugar e tema sem perder a ternura jamais, chegando ao poético por meio do sociológico. Em "Navalha na Carne", o conflito entre a prostituta Neusa Sueli e seu cafetão Vado, em torno do homossexual Veludo, estabelece um jogo de humilhações e seduções cíclicas, cujo olho do furacão é o solilóquio quase shakespeariano da prostituta: "Será que eu sou gente?".
A direção de Bhá Bocchi Prince, escolhida para representar Rio Preto no festival, soube tirar partido da crueza da "fatia de vida", incomodando com a performance ultra-realista dos atores sem descuidar da estética. Assim, a platéia reduzida a 25 pessoas é convidada a dividir um clautrofóbico quarto, como em uma locação de cinema. Há ainda uma ingenuidade no excesso de realismo dos tapas e no excesso de estilização dos figurinos, mas o projeto inteligente de luz e a boa concentração dos atores, com destaque para o Vado de Edvaldo Vitorino, impõem respeito. A triplicação de Neusa nas atuações de Bia Moreti, Marcia Mota e Joice Zorzi faz perder um pouco o fio da meada, mas o cuidado nas cenas de troca acaba remetendo à sua condição descartável.
A grande maturidade da montagem está em romper o paternalismo para encarnar as condições de vida de ricos, com suas dores e volúpias, ultrapassando os preconceitos. Os pais que se preocupam com o fato de os filhos estarem numa profissão que remete ao homossexualismo, prostituição e drogas poderão descobrir aqui que esta é a causa do teatro: abrir essas feridas, sim, e na própria carne, mas para resgatar a dignidade de todos. Somos todos gente como Neusa Sueli.


O crítico Sergio Salvia Coelho e a repórter-fotográfica Lenise Pinheiro viajaram a convite da organização do Festival Internacional de Rio Preto

Navalha na Carne
   
Direção: Bhá Bocchi Prince
Quando: hoje, amanhã e sexta, às 23h
Onde: Casa de Cultura (pça. Cacilda Becker, s/nš, tel. 0/ xx/17/3236-3366)
Quanto: R$10


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