São Paulo, quinta-feira, 20 de julho de 2006

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Adesão a "flash mob" é a cara dos "modernos"

Internet permite que "hipsters" consumam e abandonem produtos instantaneamente

Editor da "Harper's" afirma que grande velocidade de propagação dos modismos torna produções culturais cada vez mais "digeríveis"


João Wainer - 13.ago.2003/Folha Imagem
Paulistanos batem sapatos no meio da av. Paulista durante o primeiro "flash mob" brasileiro; ato durou um abre-e-fecha de sinal


DA REPORTAGEM LOCAL

Do alto do 11º andar de um edifício no sul da ilha de Manhattan, um dos responsáveis pelo conteúdo da mais antiga revista mensal dos Estados Unidos, ali editada -fundada em 1850, a "Harper's" publica a vanguarda do pensamento político, artístico e social em seu país e no mundo-, Bill Wasik teve uma idéia.
Nunca, ele veio a escrever depois, um grupo de apreciadores culturais, relativamente bem-educados, foi tão submetido às imposições coletivas quanto a atual geração de "hipsters" (em bom português, ou quase, os "modernos").
Se, como ele acreditava, o consumo de certa produção cultural por essas pessoas era menos determinado por características dos produtos do que pela necessidade de se sentir parte do grupo -que com a mesma voracidade elegia de modo unânime a banda ou o escritor da vez e depois os descartava quando o seu consumo já tinha se espraiado para fora dos limites do grupinho-, talvez fosse possível criar um modismo cultural cuja característica fosse justamente a de conjugar um total vazio de sentido ao pleno pertencimento coletivo.
Assim surgiram os "flash mobs", revelou Wasik em artigo publicado na própria "Harper's", em março. Na semana passada, em entrevista à Folha, detalhou e fez considerações sobre o seu "experimento".
O primeiro passo foi criar uma conta fictícia de e-mail e mandar para si mesmo uma mensagem, depois reenviada por ele para cerca de 60 conhecidos, com o convite a tomar parte "num projeto que cria uma aglomeração inexplicável de pessoas em Nova York por dez minutos ou menos".
A primeira tentativa falhou, ele disse, pois a informação "vazou" e os primeiros participantes a chegarem ao local determinado encontraram seis policiais a guardar a loja.
A segunda, duas semanas depois, funcionou, com o aviso final de hora e local dado apenas dez minutos antes. Daí o projeto cresceu, na cidade e depois em todos os continentes, e seu "líder" em Nova York passou a ser conhecido, e entrevistado, apenas como "Bill".
Desde que reivindicou sua autoria, há quatro meses, Wasik não foi contestado, e sua identidade foi confirmada por blogueiros e amigos a quem ele havia revelado sua crítica à "situação cultural atual".
O que há de novo com os modernos, ele disse por email à Folha, é que nunca uma cultura supostamente "alternativa" foi, a cada momento, tão unânime -sempre mais do que a própria cultura "mainstream".
"O que há de novo nos "hipsters", em oposição a vanguardas de épocas anteriores, está em como a internet lhes permite convergir sobre novos produtos culturais quase instantaneamente. E depois -quase tão instantaneamente- perceberem que esses produtos arrumaram adeptos demais e os abandonarem", diz.
Também do lado dos produtos há que haver uma adaptação aos novos tempos, defende Wasik. Ele faz a lista das "melhores bandas de todos os tempos da última semana" -segundo ele, desde que teve a idéia até escrever o artigo, os Strokes, Franz Ferdinand, Interpol, Bloc Party e Clap Your Hands Say Yeah- para diferenciá-las dos grupos de apenas uma geração atrás.
"Pixies, Joy Division e Fugazi, por exemplo, cada uma delas inventou um som que era novo o suficiente para "alienar" parte de seus consumidores potenciais -ao menos no início. Eles dividiam as pessoas. Os Strokes, por outro lado, ou o Clap Your Hands Say Yeah, são tão facilmente digeríveis que todos gostam deles imediatamente. A única razão para deixar de gostar é justamente o fato de serem tão digeríveis -e essa é razão pela qual, no final, não perduram", afirma.
Mesma razão, demonstrado o experimento-teorema, que fez os "flash mobs" serem vorazmente consumidos para em seguida serem abandonados. Ou quase.
(RAFAEL CARIELLO)


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