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Adesão a "flash mob" é a cara dos "modernos"
Internet permite que "hipsters" consumam e abandonem produtos instantaneamente
Editor da "Harper's" afirma que grande velocidade de propagação dos modismos torna produções culturais cada vez mais "digeríveis"
João Wainer - 13.ago.2003/Folha Imagem
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Paulistanos batem sapatos no meio da av. Paulista durante o primeiro "flash mob" brasileiro; ato durou um abre-e-fecha de sinal |
DA REPORTAGEM LOCAL
Do alto do 11º andar de um
edifício no sul da ilha de Manhattan, um dos responsáveis
pelo conteúdo da mais antiga
revista mensal dos Estados
Unidos, ali editada -fundada
em 1850, a "Harper's" publica a
vanguarda do pensamento político, artístico e social em seu
país e no mundo-, Bill Wasik
teve uma idéia.
Nunca, ele veio a escrever depois, um grupo de apreciadores
culturais, relativamente bem-educados, foi tão submetido às
imposições coletivas quanto a
atual geração de "hipsters" (em
bom português, ou quase, os
"modernos").
Se, como ele acreditava, o
consumo de certa produção
cultural por essas pessoas era
menos determinado por características dos produtos do que
pela necessidade de se sentir
parte do grupo -que com a
mesma voracidade elegia de
modo unânime a banda ou o escritor da vez e depois os descartava quando o seu consumo já
tinha se espraiado para fora dos
limites do grupinho-, talvez
fosse possível criar um modismo cultural cuja característica
fosse justamente a de conjugar
um total vazio de sentido ao
pleno pertencimento coletivo.
Assim surgiram os "flash
mobs", revelou Wasik em artigo publicado na própria "Harper's", em março. Na semana
passada, em entrevista à Folha,
detalhou e fez considerações
sobre o seu "experimento".
O primeiro passo foi criar
uma conta fictícia de e-mail e
mandar para si mesmo uma
mensagem, depois reenviada
por ele para cerca de 60 conhecidos, com o convite a tomar
parte "num projeto que cria
uma aglomeração inexplicável
de pessoas em Nova York por
dez minutos ou menos".
A primeira tentativa falhou,
ele disse, pois a informação
"vazou" e os primeiros participantes a chegarem ao local determinado encontraram seis
policiais a guardar a loja.
A segunda, duas semanas depois, funcionou, com o aviso final de hora e local dado apenas
dez minutos antes. Daí o projeto cresceu, na cidade e depois
em todos os continentes, e seu
"líder" em Nova York passou a
ser conhecido, e entrevistado,
apenas como "Bill".
Desde que reivindicou sua
autoria, há quatro meses, Wasik não foi contestado, e sua
identidade foi confirmada por
blogueiros e amigos a quem ele
havia revelado sua crítica à "situação cultural atual".
O que há de novo com os modernos, ele disse por email à
Folha, é que nunca uma cultura supostamente "alternativa"
foi, a cada momento, tão unânime -sempre mais do que a própria cultura "mainstream".
"O que há de novo nos "hipsters", em oposição a vanguardas
de épocas anteriores, está em
como a internet lhes permite
convergir sobre novos produtos culturais quase instantaneamente. E depois -quase tão
instantaneamente- perceberem que esses produtos arrumaram adeptos demais e os
abandonarem", diz.
Também do lado dos produtos há que haver uma adaptação aos novos tempos, defende
Wasik. Ele faz a lista das "melhores bandas de todos os tempos da última semana" -segundo ele, desde que teve a
idéia até escrever o artigo, os
Strokes, Franz Ferdinand, Interpol, Bloc Party e Clap Your
Hands Say Yeah- para diferenciá-las dos grupos de apenas
uma geração atrás.
"Pixies, Joy Division e Fugazi, por exemplo, cada uma delas
inventou um som que era novo
o suficiente para "alienar" parte
de seus consumidores potenciais -ao menos no início. Eles
dividiam as pessoas. Os Strokes, por outro lado, ou o Clap
Your Hands Say Yeah, são tão
facilmente digeríveis que todos
gostam deles imediatamente. A
única razão para deixar de gostar é justamente o fato de serem tão digeríveis -e essa é razão pela qual, no final, não perduram", afirma.
Mesma razão, demonstrado
o experimento-teorema, que
fez os "flash mobs" serem vorazmente consumidos para em
seguida serem abandonados.
Ou quase.
(RAFAEL CARIELLO)
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