São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2007

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Crítica/"Em Busca da Vida"

Jia Zhang-ke alcança esplendor do cinema em seu quinto longa

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Depois de uma turbulenta apresentação durante a Mostra de Cinema de SP no ano passado, que exibiu uma cópia que no mínimo distorcia as intenções estéticas de seu realizador, o público pode ver, a partir de hoje, com a devida fidelidade a seu esplendor a magnitude do cinema que o chinês Jia Zhang-ke alcançou em seu quinto longa.
"Em Busca da Vida", tradução de poesia canhestra do original "Still Life" (expressão em inglês que designa as pinturas que chamamos de "natureza-morta"), é uma exploração dos novos recursos da imagem digital na captura do quanto sobra de vida mesmo sob escombros.
O longa de Jia acompanha dois personagens, em busca de laços afetivos rompidos, que vagam pela cidade em destruição/reconstrução na região da hidrelétrica das Três Gargantas. Com uma opção formal em que predominam os planos abertos, o cineasta capta as transformações da paisagem e ao mesmo tempo as mutações nas vidas de seus personagens.
Outra força que amplia o vigor do trabalho de Jia em "Em Busca da Vida" está em sua retomada de um dos pilares de apoio do cinema moderno.
Em ruptura com o cinema clássico, baseado na idéia do controle (da luz, dos cenários, das atuações) e por isso preso ao predomínio das filmagens em estúdio, o cinema moderno se constituiu a partir da libertação dessas regras.
Foi quando seus precursores, no neo-realismo italiano, partiram para as ruas, que a realidade de um mundo em ruínas ganhou as telas sob uma nova forma de representação, menos sujeita à imposição da linearidade e mais apta a representar o caos do imediato pós-guerra.
Desde aquele momento, a perambulação tornou-se um potente efeito dramático. Dos filmes de Rossellini aos dos cineastas da nouvelle vague e sobretudo na obra de Antonioni, o que mais se vê são personagens vagando por ruas, num eterno movimento que transmite a ausência de sentido do novo mundo e a vacuidade que esta produziu nas almas.

Manifesto político
A retomada do procedimento por Jia Zhang-ke neste "Em Busca da Vida" não se resume a um efeito de estilo. Trata-se de buscar uma forma justa para capturar, transmitir e enfatizar o sentido de um conteúdo ou, como se diz em termos específicos da linguagem cinematográfica, uma "mise-en-scène".
Nesta escolha, a perambulação se justifica do ponto de vista dramático (os personagens estão em busca de pessoas) e cênico (enquanto perambulam percorrem um espaço do qual as imagens registram as transformações).
Mas, além de sua superioridade formal, o filme de Jia alcança status de poderoso manifesto político, em que o macro (a paisagem passa por mutações impostas por um governo) e o micro (o impacto dessas transformações na ordem dos indivíduos) estão elevados à mesma potência.


EM BUSCA DA VIDA
Produção:
China/Hong Kong/Japão, 2006
Direção: Jia Zhang-ke
Com:Han Sanming, Zhao Tao e Li Zhubin
Onde: em cartaz no Reserva Cultural, Cine Bombril e HSBC Belas Artes
Avaliação: ótimo



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