|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Artaud busca "a pele das coisas" no cinema
da Redação
"Este roteiro procura a verdade
sombria do espírito, em imagens
saídas unicamente de si mesmas, e
que não tiram seu sentido da situação em que se desenvolvem,
mas de uma espécie de necessidade interna."
Com essas palavras na apresentação de "La Coquille et le Clergyman" (A Concha e o Clérigo), o
poeta Antonin Artaud define não
só o texto que escrevera, como boa
parte das dúvidas em torno do
"cinema puro" dos anos 20.
As "imagens saídas de si mesmas" propostas por Artaud opunham-se tanto ao filme de intriga,
com fundo psicológico, em que
"toda a emoção e todo o humor
repousam unicamente sobre o
texto", como à "abstração visual
puramente linear". Nesse segundo
item, está claro que Artaud referia-se a trabalhos como os de Man
Ray e Fernand Léger.
Ao contrário de Man Ray ("Le
Retour à la Raison", "L'Etoile De
Mer" e "Emak-Bakia"), Marcel
Duchamp ("Anémic Cinéma") e
Léger ("La Ballet Mécanique"), e
mesmo ao René Clair de "Entr'acte", a aspiração de Artaud era chegar à "pele humana das coisas, a
derme da realidade".
As experiências de Man Ray tendem a, antes de mais nada, dar
movimento ao tipo de trabalho
que fazia com a fotografia e não
raro lembram as abstrações do canadense Norman McLaren. Assim
como os trabalhos de Léger, Duchamp e Clair agora lançados, esses jogos de linhas e luzes de Man
Ray podem ser definidos como jogos de exaltação da matéria, que
colocam em relevo o insólito dos
objetos (e da vida cotidiana).
Tratava-se, assim, de ampliar o
campo da percepção. O que realmente aconteceu, já que o conjunto dessa vanguarda pode ser aferido pelos efeitos de distorção, fragmentação, câmera lenta, câmera
rápida, fusões inesperadas, câmeras de ponta-cabeça.
Enfim, um experimentalismo
totalmente solto, sem maior compromisso com a coerência do material. O "todo" era o que resultava no fim.
"A Concha e o Padre", ao contrário, está mais próxima do Buñuel de "L'Âge d'Or". Também
aqui a sexualidade é o aspecto central, embora em Buñuel o desejo
seja objeto de exaltação, enquanto
em Artaud ele é angustiado e controverso.
"A Concha e o Padre" foi inteiramente desaprovado por Artaud.
Segundo consta, ele gostaria de ter
participado da realização. Dullac
barrou suas pretensões.
O fato é que o filme -nada desprezível, aliás, e com momentos
antológicos, como o da cabeça
seccionada- tem menos impacto
do que Artaud pretendia.
É verdade que ele não pretendia
pouco: imagens que "nascem, deduzem-se umas das outras, impõem uma síntese mais penetrante do que qualquer abstração".
Em todo caso, pode-se aplicar ao
filme de Dullac o mesmo benefício
da dúvida que merece o Teatro da
Crueldade teorizado por Artaud:
até que ponto suas idéias têm muito mais vida no papel do que é
possível imprimir a um espetáculo
de teatro ou a um filme?
(IA)
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|